quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Dos chinelos aos sapatos sujos


Na manhã e durante a tarde do dia 16/12/2014, o Grupo Asa Branca de Criminologia foi brindado com a defesa da tese de doutoramento de uma de suas mais importantes membras: a Professora, e agora oficialmente Doutora, Érica Babini. A coragem de Érica, que ousou enunciar os discursos contra-hegemônicos da potente criminologia de base crítica, emocionou a nós todas/os, encheu-nos de esperança e ainda mais desejo de continuar nesse front de batalha contra a irracionalidade do sistema punitivo, contra a mortificação de subjetividades e esperanças que se operacionaliza via cárcere ou via unidades de internação para jovens em conflito com a lei, as antessalas da cadeia.




O que mais nos tocou, contudo, foi o texto com o qual a Professora Érica nos presenteou ao final daquele dia: “Chinelos e sapatos”. Érica percebeu, após mais de um ano de pesquisa nas Varas da Infância e na unidade da Funase, Sta. Luzia, que “chinelos e sapatos são espaços que demarcam cidadania”. Os chinelos eram dos/as meninos/as e jovens algemados que passavam pela via crucis do julgamento, os sapatos eram dos polidos e bem cheirosos indivíduos da sala de audiência. Os sapatos também estiveram nos pés de alguns naquela manhã e tarde em que Érica defendeu seu trabalho. Mas todos esses sapatos estão sujos e o estão de uma maneira muito mais difícil de limpar do que os chinelos das meninas do Sta. Luzia.




A criminologia de base crítica ensinou a Érica e a todos/as nós do Asa Branca que para pensar uma sociedade liberta da opressão penal e de tantas outras opressões consubstanciadas em diversos ISMOS combatidos por nós, precisamos deixar os nossos sapatos sujos na soleira da porta dos tempos novos. Precisamos nos descalçar de compreensões seculares de um positivismo jurídico ultrapassado que, conforme a Professora Vera Regina Pereira de Andrade, fez a dogmática penal receber a coroa e faixa de rainha, reinando com absoluta soberania, enquanto todos os demais saberes, integrativos do amplo espectro das chamadas ciências criminais, se consolidariam, e bem, com faixas de segundas e terceiras princesas. Precisamos nos descalçar do apego da pena e da prisão como um “mal necessário”. Nenhum mal é necessário! Precisamos nos descalçar da ideia de que o sistema penal é o único capaz de resolver os mais sensíveis conflitos sociais. Esse sistema não resolve conflito algum e, conforme a Professora Maria Lúcia Karam, unir ao dano do crime a dor da pena é multiplicar danos, invés de resolvê-los. Precisamos nos descalçar, sobretudo, dos sapatos de magistrados, da pompa de desembargadores que necessitam defender a todo custo a sua classe mesmo que não se saiba bem ainda de quê. Precisamos nos descalçar dos sapatos sujos da arrogância e prepotência dos juristas que não sabem nem querem pesquisar, dos sapatos que tornam nossos pés insensíveis ao delicado e complexo terreno das etnografias. Precisamos nos descalçar, por fim e principalmente, dos sapatos do machismo. Sapatos que fazem homens se sentirem no direito de avaliar uma mulher sobre um estudo que envolve meninas. Naquele dia as meninas continuaram com seus chinelos, os homens que julgavam a elas e à mulher professora continuavam com seus sapatos, mas a mulher, professora e criminóloga, ela se descalçou.




A criminologia crítica teve como uma de suas virtudes a violação da Lei de Hume, aquela na qual argumentos empíricos não podem ser utilizados para desqualificar premissas normativas e vice-versa. Isso porque a tal lei constitui um argumento típico do positivismo científico, que sustenta no direito penal e na criminologia etiológica pensamentos ortodoxos, muitas vezes e quase sempre, autistas, um discurso totalmente divorciado da realidade. A outra virtude da criminologia crítica é que ela nos descalçou de vários sapatos sujos. Sigamos, então, como a Professora Érica fez ao defender a sua tese, sigamos descalços de todos os sapatos sujos!

Diego Lemos
Cristhovão Gonçalves

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A titularidade libertária!



O grupo Asa Branca de Criminologia hoje comemora mais uma vitória da criminologia crítica. Hoje, temos a notícia de que a Professora Vera Regina Pereira de Andrade passa a ser Professora Titular da Universidade Federal de Santa Catarina -UFSC. Hoje demos mais um passo para o rompimento dos muros visíveis e invisíveis das Universidades Públicas brasileiras repletas de desafios que envolvem a integração de teorias radicais como o abolicionismo penal e a atuação de movimentos sociais.



Felizes estamos aqui, no nordeste, por essa vitória e por tudo que representa a professora Vera no pensamento crítico, no espaço acadêmico nacional. 



Foi ela que inspirou nossas primeiras leituras, com ela demos os primeiros passos da criminologia, e, é com sua força, vitalidade e sensibilidade que continuamos trilhando o árduo caminho da crítica criminológica.



Professora Vera, estamos todas juntas*, no desafio permanente da luta contra os punitivismos, machismos... E tantos outros "ismos" que promovem o genocídio diário na nossa sociedade brasileira. 



A sua luta, simbolizada na “vigilância sobre o (des)respeito aos direitos humanos no marco do funcionamento efetivo (deslegitimado) do sistema penal” (ANDRADE, 2012, p. 99), é a nossa luta é, nesse momento, rogamos que seja eternizada no coração daqueles que partilham o ideal libertário, e mais, que ela seja impregnada de sangue e suor, flores e afeto, nas paredes frias, burocratizadas e indiferentes, do sistema de justiça criminal.


Nesse momento de festa, temos que parabenizar a UFSC por ter uma professora Titular da dimensão de Vera Regina e agradecer a nossa eterna guru por ela ser, simplesmente sendo quem é, nos estimular a alçar o vôo da Asa Branca nesse solo tão árido que é o espaço acadêmico.

Parabéns Professora Vera!!!!!


* No feminino, mesmo, com o carinho de todos e todas, porque neste grupo, somos maioria!

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

No dia da consciência negra, a Faculdade de Direito do Recife imprimiu em simbolismo o que as ruas expressam em corpos negros estendidos no chão.


Os muros da Faculdade talvez não tenham sido suficientes. As salas de aula sem negros/as, a sala dos/as professores/as cheia de brancos/as, os livros de doutrinadores (e aqui o recurso ao “a” fica mais difícil), todos brancos, nada pareceu suficiente.


O racismo que perpetua uma elite branca nos cursos jurídicos, sobretudo nas universidades públicas, revela-se com um simples olhar pelos corredores, pelas fotografias das placas das turmas e continua a se expressar na ausência de negros/as ocupando cargos de promotor, juiz, defensor público e advogado.


Mas é claro que o racismo não vive de simbolismo. O racismo está evidenciado na desproporcional vitimização de jovens negros por homicídios, em nosso presídios abarrotados de corpos negros, nas ruas que maltratam meninos e meninas que perambulam esquecidos e acossados por um medo que cruza a calçada quando os vê, um medo de cor e um medo de classe.


Há quem peça a punição daqueles que quebraram a cabeça de Iansã, desviando o foco da responsabilidade de todos para o “outro”. Nesse caso, serão muitos; serão milhões os que quebraram a cabeça, os que a trouxeram a força em navios negreiros, os que tentaram calá-la, os que a mantêm em nossos presídios, os que a chacinam nas calçadas das cidades.


E ainda, entre as raízes da cultura e a crença do consumismo, o papai noel chegou à casa de Tobias para manter os mecanismos que isolam os estudantes, os professores... A Iansã não pode sair da senzala e chegar no sobrado, quiçá nas escolas que vieram para gerar emprego aos filhos dos senhores de engenho que a cana de açúcar não mais conseguia sustentar. O papai noel traz na sua ingênua sacolinha o desejo da nossa elite de manter cada um no seu lugar como sempre foi.


O Grupo Asa Branca de Criminologia manifesta um profundo repúdio pelo ocorrido. Mas, no dia da consciência negra, a resposta será Palmares e são os tambores que se escutam por toda a cidade e na Faculdade de Direito, que tocam o luto por todas as mulheres e homens vítimas de nossas máquinas de moer gente, o sistema punitivo talvez a mais eficaz delas, sustentado por ideias, ideias que acreditam ser Iansã como papai noel. Ideias que desejam a invisibilidade dos pretos e pobres. Como diria Caetano e Gil, dos que levam

porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos
E outros quase brancos tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O Asa Branca e mais de 100 entidades de todo o Brasil dizem NÃO à redução da maioridade penal

O Grupo Asa Branca de Criminologia assinou, junto a mais de 100 entidades (ongs, grupos de pesquisa, universidades, conselhos de classe etc) de todo o Brasil, nota contra a proposta de redução da maioridade penal. Chega do populismo punitivo que expõe ainda mais à morte a vida da juventude pobre e negra do Brasil!

renade.org/noticias-184-entidades-se-posicionam-contrarias-ao-debate-eleitoreiro-sobre-a-reducao-da-maioridade-penal.html

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Leitura obrigatória antes de comprar um livro de Direito Penal...


CONJUR: "O pan-principiologismo e o sorriso do lagarto", por Lênio Streck.

Inicio esta coluna semanal (como se diria em linguagem jornalística, “hebdomadária”) falando de um assunto que está na pauta cotidiana da doutrina e da jurisprudência. Com efeito, venho denunciando de há muito um fenômeno que tomou conta da operacionalidade do direito. Trata-se do pan-principiologismo, verdadeira usina de produção de princípios despidos de normatividade. Há milhares de dissertações de mestrado e teses de doutorado sustentando que “princípios são normas”. Pois bem. Se isso é verdadeiro – e, especialmente a partir de Habermas e Dworkin, pode-se dizer que sim, isso é correto – qual é o sentido normativo, por exemplo, do “princípio” (sic) da confiança no juiz da causa? Ou do princípio “da cooperação processual”? Ou “da afetividade”? E o que dizer dos “princípios” da “proibição do atalhamento constitucional”, da “pacificação e reconciliação nacional”, da “rotatividade”, do “deduzido e do dedutível”, da “proibição do desvio de poder constituinte”, da “parcelaridade”, da “verticalização das coligações partidárias”, da “possibilidade de anulamento” e o “subprincípio da promoção pessoal”? Já não basta a bolha especulativa dos princípios, espécie de subprime do direito, agora começa a fábrica de derivados e derivativos. Tem também o famoso “princípio da felicidade” (desse falarei mais adiante!). No livroVerdade e Consenso (Saraiva, 2011), faço uma listagem de mais de quarenta desses standards jurídicos, construídos de forma voluntarista por juristas descomprometidos, em sua maioria, com a deontologia do direito (lembremos: princípios são deontológicos e não teleológicos!).
Outro fator que colabora para o desenvolvimento desse tipo de fragilização do direito é o ensino jurídico, ainda dominado – ou fundamentalmente tomado – por uma cultura estandardizada. Leituras superficiais, livros que buscam simplificar questões absolutamente complexas. A pergunta que faço é: alguém se operaria com um médico que escrevesse um livro chamado “cirurgia cardíaca simplificada”? Ou o “ABC da operação de cérebro”? Se a resposta for “não”, então (re)pergunto: então, por qual razão, no campo jurídico, o uso desse tipo de material é cada vez mais recorrente?
 Avancemos, pois. Se o constitucionalismo contemporâneo – que chega ao Brasil apenas ao longo da década de 90 do século XX – estabelece um novo paradigma, ou proporciona as bases para a introdução de um novo –, o que impressiona, fundamentalmente, é a permanência das velhas formas de interpretar e aplicar o direito, o que pode ser facilmente percebido pelos Códigos ainda vigentes (embora de validade constitucional duvidosa em grande parte). Em tempos de intersubjetividade (refiro-me à transição da prevalência do esquema sujeito-objeto para a relação sujeito-sujeito), parcela considerável de juristas ainda trabalha com os modelos (liberais-individualistas) “Caio”, “Tício” e “Mévio”...!
 Os manuais – entendidos aqui, deixo claro, como “modelos prêt-à-porters” de disseminação da dogmática jurídica de baixa densidade científica – mudaram muito pouco nos últimos anos. Portanto, falo de uma certa “cultura manualesca”. Sem generalizar, evidentemente, até porque existem bons manuais. Pois bem. Mergulhados nesse magma de significações (aqui homenageio Cornelius Castoriadis) forjado pelo sentido comum teórico, boa parte dos juristas reproduz sentidos. É a estandardização que, paradoxalmente, cresce dia a dia, em plena era da informatização. Daí ser possível afirmar que parte do material utilizado nas salas de aula das Faculdades de Direito deveria trazer uma tarja com a advertência similar às carteiras de cigarro: “o uso constante desse material pode fazer mal à sua saúde mental”. Além de uma fotografia de um bacharel, com uma expressão bizarra, com o subtítulo: “Usei durante cinco anos e fiquei assim...”.
No âmbito do sentido comum teórico (dogmática jurídica de baixa intensidade teorética), ocorre a ficcionalização do mundo jurídico-social. Confunde-se a ficção da realidade com “a realidade das ficções”... Parcela do que consta nos manuais e compêndios é reproduzida nos concursos públicos.
Não faz muito tempo, em um importante concurso público, foi colocada a seguinte questão: Caio quer matar Tício (sempre eles), com veneno; ao mesmo tempo, Mévio também deseja matar Tício (igualmente com veneno, é claro!). Um não sabe da intenção assassina do outro. Ambos ministram apenas a metade da dose letal (na pergunta não há qualquer esclarecimento acerca de como o idiota do Tício bebe as duas meias porções de veneno). Em conseqüência da ingestão das meias doses, Tício vem a perecer... Daí a relevantíssima indagação da questão do concurso: Qual o crime de Caio e Mévio? Muito relevante; deveras importante...! Qual seria a resposta? Por certo, os nossos tribunais estão repletos de casos como este... Casos como este devem ser corriqueiros!
Outro exemplo que há tempos venho denunciando é o de uma pergunta feita em concurso público de âmbito nacional, pela qual o examinador queria saber a solução a ser dada no caso de um gêmeo xifópago ferir o outro! Com certeza, gêmeos xifópagos - encontráveis em qualquer esquina - andam armados e são perigosos... Pois não é que a pergunta voltou a ser feita, desta vez em concurso público de importante carreira no Estado do Rio Grande do Sul? A questão de direito penal que levou o número 46 dizia:
“André e Carlos, gêmeos xipófagos [sic – o original da pergunta constou assim], nasceram em 20 de janeiro de 1979. Amadeu é inimigo capital de André. Pretendendo por(sic) fim a vida de André, desfere-lhe um tiro mortal, que também acerta Carlos, que graças a uma intervenção cirúrgica eficaz, sobrevive”.
E seguem-se várias alternativas.
Sem entrar no mérito da questão — e até para não parecer politicamente incorreto e não ser processado pelo gêmeo xifópago que, milagrosamente, sobreviveu —, impõem-se, no mínimo, duas observações: primeira, é importante saber que os gêmeos xifópagos (e não xipófagos, como constou da pergunta) nasceram no mesmo dia (tal esclarecimento era de vital importância!); e, segunda, não está esclarecido o porquê de Amadeu odiar apenas a André, e não a Carlos (afinal, tudo está a indicar que eles sempre andavam juntos – a ironia, aqui, é irresistível).
Agora, falando sério: diariamente temos lutado para superar a crise do ensino jurídico e da operacionalidade do direito. Não está nada fácil. Basta um olhar perfunctório para verificar o estado da arte da crise. Para se ter uma idéia da dimensão do problema, há um importante manual de direito penal – dos mais vendidos - que ensina o conceito de erro de tipo do seguinte modo: um artista se fantasia de cervo e vai para o meio do mato; um caçador, vendo apenas a galhada, atira e acerta o “disfarçado em cervo”. Fantástico. Quem não sabia o que era erro de tipo agora sabe...(ou não!). Só uma coisa me deixou intrigado: por que razão alguém se fantasiaria de cervo (veado) e iria para o meio do mato? Trata-se de um mistério.
O mesmo livro explica o significado de nexo causal, a partir do seguinte exemplo sobre causas preexistentes: “o genro atira em sua sogra, mas ela não morre em conseqüência dos tiros, e sim de um envenenamento anterior provocado pela nora, por ocasião do café matinal”. Que coisa, não? Entretanto, a tragédia familiar não termina aí. O que seria causa “superveniente” no direito penal? O manual dá a solução, com o seguinte exemplo: “após o genro ter envenenado sua sogra, antes de o veneno produzir efeitos, um maníaco invade a casa e mata a indesejável (sic) senhora a facadas”. Significa dizer que o genro foi salvo pelo maníaco (seria o maníaco do parque, que teria escapado da prisão?) Outro mistério para a ciência jurídica resolver...
E o que seria erro de pessoa no direito penal? Resposta “perfeita”: é quando o agente deseja matar o pequenino filho de sua amante, para poder desfrutá-la (sic) com exclusividade (sic). No dia dos fatos, à saída da escolinha, do alto de um edifício, operverso autor efetua um disparo certeiro na cabeça da vítima, supondo tê-la matado. Noentanto, ao aproximar-se do local, constata que, na verdade, assassinou um anãozinho que trabalhava no estabelecimento como bedel, confundindo-o, portanto, com a criança quedesejava eliminar. Permitamo-nos imaginar a cena: alguém quer matar o filho da amante para “desfrutar” da mãe do infante! Ele queria exclusividade! Que sujeito tarado e perverso, não?
Ah, se o direito penal fosse tão fantasioso, engraçado ou simples assim. O problema é que sempre sobra (uma porção enorme de) realidade. E como sobra! Com efeito, enquanto setores importantes da dogmática jurídica tradicional se ocupam com exemplos fantasiosos e idealistas/idealizados, a vida continua. Mais ou menos como em uma sala de aula de uma faculdade de direito no Rio de Janeiro, em que o professor explicava os crimes de dano, rixa e estampilha falsa e, lá de fora, ouviram-se tiros, muitos tiros. Na verdade, enquanto o professor explicava os conceitos desses relevantes crimes, várias pessoas foram mortas, em um conflito entre traficantes. Mas o professor não se abalou: abriu seu Código e passou a explicar o conceito de atentado ao pudor mediante fraude!
Faltam-nos, pois, elaborar grandes narrativas no direito. A literatura deveria nos auxiliar, para, a partir disso, abrir frestas no direito para o ingresso da sangria do cotidiano. Uma pitada de Os Miseráveis, de Victor Hugo – que, publicado em 1862, vendeu sete mil exemplares em vinte e quatro horas - poderia ser útil. Quantos Jean Valjeans, personagem que é encarcerado e depois perseguido por ter furtado um pão, existem espalhados no “sistema” carcerário ou no “sistema judiciário”, respondendo processos? A cada dia, deparamo-nos com novos Jean Valjeans... Como disse o camponês salvadorenho – a frase é creditada a um conto de José Jesus de La Torre Rangel – “la ley es como la serpiente; solo pica a los descalzos”!
Mas prossigo: pesquisando um pouco mais, descobri em outro manual que o indivíduo que escreve a carta não pode ser agente ativo do crime de violação de correspondência; também constatei que, para configurar o crime de rixa, é necessário o animus rixandi (sic), e ainda verifiquei que agressão atual é a que está acontecendo, e que agressão iminente é a que está por acontecer (muito instigante, não?). E coisa alheia móvel, no crime de furto, é algo “que não pertence à pessoa”...! Finamente, outro “mistério” foi solucionado pelo manual. Com efeito, havia sérias “dúvidas” acerca do que seria o “princípio da consunção”. Mas a resposta já está nas bancas, nas melhores casas do ramo, através do seguinte exemplo: é quando “o peixão (fato mais abrangente) engole os peixinhos (fatos que integram aquele como sua parte)”. E, pronto. Fiat Lux.
Mas tem mais. Talvez o Top Five da dogmática jurídica (entendida como sentido comum teórico) esteja no seguinte exemplo, retirado do Concurso Público para Ingresso na Carreira de Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro, do ano de 2010.
PROVA ESCRITA DISCURSIVA DE CARÁTER GERAL DO XXIII CONCURSO PARA INGRESSO NA CARREIRA DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (7 linhas para resposta)
12ª Questão: Um indivíduo hipossuficiente, interessado em participar da prática de modificação extrema do corpo (body modification extreme), decidiu se submeter a cirurgias modificadoras, a fim de deixar seu rosto com a aparência de um lagarto. Para tanto, pretende enxertar pequenas e médias bolas de silicone acima das sobrancelhas e nas bochechas, e, após essas operações, tatuar integralmente sua face de forma a parecer a pele do anfíbio.
Frustrado, após passar por alguns hospitais públicos, onde houve recusa na realização das mencionadas operações, o indivíduo decidiu procurar a Defensoria Pública para assisti-lo em sua pretensão.
Pergunta-se: você, como Defensor Público, entende ser viável a pretensão? Fundamente a resposta. (7,0 pontos)
Pois bem. Ao que consta, recebeu nota máxima quem respondeu que o defensor público deveria ajuizar a ação, porque o hipossuficiente tem o direito à felicidade (princípio da felicidade). Ponto para o pan-principiologismo...! Estamos, pois, diante de uma excelente amostra do patamar que atingiu o pan-principiologismo e o estado de natureza hermenêutico em terrae brasilis, que sustentam ativismos e decisionismos. Por certo, deve haver uma espécie de “direito fundamental a alguém se parecer com um lagarto” ou algo do gênero. Como se o direito estivesse à disposição para qualquer coisa. Não parece ser um bom modo de exercitar a cidadania o incentivo – por intermédio de pergunta feita em concurso público - a que advogados de hipossuficientes, pagos pelo contribuinte, venham a se utilizar do Poder Judiciário para fazer “laboratório” ou até mesmo estroinar com os direitos fundamentais. Não faz muito, um aluno recebeu sentença favorável de um juiz federal no RS, pela qual a Universidade deveria elaborarcurriculum especial para ele, porque, por “objeção de consciência”, negava-se a manipular animais na disciplina de anatomia, na Faculdade de Medicina. E o que dizer de uma petição feita por defensor público requerendo o fornecimento, por parte do erário (a viúva) de xampu para pessoa calva? Eis, aqui, pois, uma coletânea de elementos que apontam, em pleno Estado Democrático de Direito, paradoxalmente para o recrudecimento do conhecimento jurídico.
Essa crise de paradigma(s) – que denomino de “crise paradigmática de dupla face (conforme delineio emHermenêutica Juridica em Crise, Livraria do Advogado, 10ª. Ed, 2010) -, à evidência, atinge o conjunto das Instituições encarregadas de administrar a justiça. Com efeito, estas Instituições, reproduzidas a partir de um ensino estandardizado (e, aqui, devemos chamar à balia as Faculdades de Direito e a reprodução do sentido comum teórico por elas proporcionado), sustentam esse gap existente entre, de um lado, a teoria do direito e a dogmática jurídica tradicional, e, de outro, entre a Constituição, os textos infraconstitucionais e as demandas sociais. Assim, se a Constituição da República possui os indicadores formais para uma ruptura paradigmática , estes mais de vinte anos deveriam testemunhar uma ampla adaptação do direito aos ditames da Lei Maior. Mas não parece que isso esteja acontecendo.
Enquanto isso, no mundo das ficções, ficamos discutindo Caios, Tícios e o direito fundamental a alguém se parecer com um lagarto... O que mais falta acontecer? Na próxima semana falarei de outra praga contemporânea, típica deterrae brasilis: os embargos declaratórios...!
Numa palavra final: mais instigante certamente seria não estarmos discutindo as hilariantes questões de concursos públicos de terrae brasilis, mas, sim, um romance como O Sorriso do Lagarto, de João Ubaldo Ribeiro... Naquela Ilha, o Dr. Lúcio Nemesio fazia experiências, buscando criar um ser híbrido, desprovido de algumas qualidades humanas. No livro, o louco médico tem êxito. Na minissérie que a Globo produziu, a cena final é maravilhosa, quando se vê a câmara focalizando um híbrido de um lagarto e humano escondido na igreja, enquanto um coral entoa um cântico! Pronto. Bem melhor que o direito! Ou seja, como explica o próprio João Ubaldo, o cerne da questão de O Sorriso do Lagarto é a crítica ao tempo que perdemos com as coisas no nosso cotidiano... Tem toda a razão!


MENTES PERIGOSAS NA TELEVISÃO

Diante de manchetes que anunciam nova série da Rede Globo com inspiração no polêmico livro "Mentes Perigosas", de Ana Beatriz Barbosa e Silva ("Livro Mentes perigosas inspira série da Globo sobre psicopatas" - http://imirante.globo.com/oestadoma/noticias/2014/09/14/pagina274906.asp), o Asa Branca incita a discussão e os convida à leitura do artigo do Professor Salo de Carvalho, intitulado "Mentes Perigosas na academia": sobre plágios, responsabilidades, diagnósticos e estigmas. 

Na leitura, pensemos em "O alienista", de Machado de Assis, e, especialmente, no personagem Simão Bacamarte, que, após taxar praticamente toda a população da pequena cidade de Itaguaí como louca, descobriu em si sujeito e objeto da loucura!


"A falha mais grave, porém, em todo este procedimento de análise
e etiquetamento de “mentes perigosas”, é a de natureza ética, pois o
pesquisador que opera esta técnica aniquila a pessoa; substituindo a
sua identidade pelo rótulo inextirpável do “sujeito perigoso”. Assim,
concretizada a essencialização, a leitura da história de vida do sujeito e
a expectativa quanto ao seu comportamento futuro são reduzidas a um
estigma fixo e imutável que o aprisiona: o crime. O sujeito é anulado,
subsistindo apenas a imagem idealizada no rótulo (ou no dado estatístico,
se a preocupação for restrita à lógica gerencialista)" (CARVALHO, 2013).


Faça aqui o Download de "Mentes Perigosas" na academia: sobre plégios, responsabilidade, diagnósticos e estigmas.

sábado, 13 de setembro de 2014

Encerramento Mini curso Abolicionismo e Justiça Restaurativa

Com grande alegria o Asa Branca encerrou o mini curso hoje, trocando experiências, construindo reflexões e, acima de tudo, amontoou mais questionamentos sobre o Sistema de Justiça Criminal!
Agradecimento a todos que compareceram ontem a tarde e hoje o dia inteiro, especialmente  a  Daniel Achutti!!!



segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Encontro de estudos: mulheres, tráfico de drogas e encarceramento


O Grupo Asa Branca de Criminologia promove mais um encontro de estudos na próxima sexta-feira, dia 08 de agosto de 2014. O tema da conversa é a criminalização feminina, o tráfico de drogas e o encarceramento. O texto de apoio é o da criminóloga chilena Carmen Anthony, que lança um olhar sobre o cárcere e a invisibilidade das mulheres na América Latina.
O encarceramento feminino, suas especificidades e dores vêm movendo as pesquisas do Asa Branca desde a graduação até a pós-graduação. A política criminal antidrogas está diretamente relacionada ao tema e foi o grande impulso ao crescimento da criminalização feminina. Quem prendemos? O que queremos? Como vivem as mulheres no cárcere? Helena Castro conversará sobre sua monografia e todxos estão convidadxs para dividir leituras, experiência e reflexões.

Encontro de estudos sobre encarceramento feminino e tráfico de drogas
Data: 08/08/2014
Local: auditório da ASTEPI
Horário: 14h
Texto de apoio: ANTHONY, Carmen. Mujeres invisibles: las cárceles femeninas en América Latina. NUEVA SOCIEDAD No 208, marzo-abril de 2007.
Você encontra aqui:
http://www.nuso.org/upload/articulos/3418_1.pdf

sábado, 26 de julho de 2014

V Congresso da ABRASD - pesquisa em ação: ética e praxis na investigação em Sociologia e Direito



O prazo para envio de resumos está aberto. Participe você também! Maiores informações você encontra no site do evento - Aqui
Nos vemos lá!!


sexta-feira, 4 de julho de 2014

O Asa na nova História do Conpedi - Congresso Nacional de Pós Graduação!

O XXIII Congresso do Conpedi, na UFSC, teve uma grande novidade: inauguração do GT de Criminologias e Política Criminal, honrosamente presidido por Vera Regina Pereira de Andrade.

Um registro histórico para os estudos criminológicos que o Grupo Asa Branca marcou presença!

A apresentação do livro publicado recentemente narra a conquista do espaço de discussão para os estudos críticos!


e os artigos da equipe Asa Branca - 


 Violência doméstica contra a mulher


Todas as publicações podem ser conferidas Aqui


Agora nos preparemos para o próximo Conpedi na UFPB!!






quarta-feira, 2 de julho de 2014

Pelo fim da revista vexatória nas unidades prisionais, de internação e de semiliberdade!


As revistas vexatórias realizadas na entrada de unidades prisionais são mais um capítulo, dentre vários, de vitimização de familiares de presos/as, sobretudo as mulheres. Os relatos são chocantes e narram mulheres de todas as idades que precisam se desnudar,  agachar várias vezes, tossir com força e que têm seus órgãos sexuais examinados por agentes estatais.

As revistas assim realizadas não se sustentam juridicamente, porque violam frontalmente a dignidade humana. O parecer elaborado pela  Rede de Justiça Criminal mostra com detalhes o descompasso entre a medida e a legislação nacional e internacional (http://carceraria.org.br/wp-content/uploads/2014/01/Parecer-RV-final-BSB.pdf).

Ao mesmo tempo, as revistas não evitam a entrada de objetos ilícitos nas unidades. Pesquisa realizada pela Rede de Justiça Criminal já verificou que, em São Paulo, a cada 10.000 visitantes, apenas 3 são flagradas com tais utensílios de entrada proibida (que vão desde celulares a drogas).

Sobre o tema, já foi aprovado no Senado o PL 480/2013, que modifica a Lei das Execuções Penais e passa a vedar a revista íntima vexatória, substituindo-a, quando preciso, por procedimentos menos invasivos. Veja aqui a íntegra do novo texto http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/152299.pdf.

Sabemos que, nessa luta, todo passo é precioso. Mas precisamos estender o pleito para as visitas realizadas nas unidades de internação e semiliberdade de adolescentes. Nelas também podem estar havendo revistas vexatórias! Já ouvimos depoimentos de adolescentes do DF que elas  preferem não ser visitadas por avós ou irmãos para não fazê-los passar por essa humilhação.

O Grupo Asa Branca de Criminologia adere à campanha fim da revista vexatória nas unidades prisionais, de internação e de semiliberdade. E você?

Participe da campanha da Rede de Justiça Criminal:
 http://www.fimdarevistavexatoria.org.br/



quinta-feira, 19 de junho de 2014

Mais uma página nas históricas escadarias da Faculdade de Direito do Recife

O grupo Asa Branca de Criminologia esteve presente ontem, dia 18 de junho, nas escadarias da Faculdade de Direito do Recife para se solidarizar com a Professora Liana Lins, que foi agredida por policiais militares,  juntamente com outros integrantes do Ocupe Estelita.
Foi uma noite de muitas falas e repleta de reflexões e sonhos por uma cidade melhor e mais humana,  na esperança  da concretização do Estado Democrático de Direito no nosso país. Tudo isso aconteceu na  escadaria de um dos prédios mais bonitos e emblemáticos da cidade do Recife. Por essas escadas passaram grandes nomes dos cenários jurídico, político e artístico do Brasil. 
Para o grupo Asa Branca participar desse evento e lá poder anunciar a liberdade de Deivson foi realmente mais sinal de esperança na luta pela liberdade. 
Deivson,  19 anos, morador do Coque, foi um entre os vários detidos pela Polícia Militar no dia do seu embate com os integrantes do  "Ocupe Estelita".  Com uma diferença esse foi o único que desceu para o Cotel e conheceu a realidade do pior sistema penitenciário do Brasil. 
Manuela Abath, integrante do Grupo Asa Branca,  estava na delegacia de polícia, prestando solidariedade aos manifestantes detidos, quando conheceu a mãe de Deivson e lá acompanhou a luta dos advogados do CPDH  em tentar evitar a prisão do jovem. A força seletiva e simbólica do sistema penal precisava confiscar a liberdade de alguém e o garoto por razões óbvias foi o escolhido. 
Nos acasos da vida, Manuela faz a narrativa do caso para Érica Babini, que conhecia o garoto desde criança, por conta dos seus trabalhos voluntários no NEIL -Núcleo Espírita Investigadores da Luz. Isso tornou a noite de alguns integrantes do ASA Branca intensa. Manuela foi providenciar o retorno da mãe de Deivson para casa, Carolina Salazar redigiu a peça processual e Érica Babini reuniu toda documentação comprobatória da passagem do nosso jovem pelo Neil. 
Depois de um longa noite, o dia 18 também foi intenso entre idas e vindas no Cotel e  Fórum do Recife, o aguardo para o despacho com a magistrada até, finalmente, a notícia no início da noite da liberdade . Para garantir que a notícia seria dada nas escadarias da Faculdade, as meninas foram buscar Deivson pessoalmente no Cotel até entregá-lo nos braços de sua mãe. 
Ontem Deivson saiu da invisibilidade e seu nome foi várias vezes mencionados no evento da FDR.
Por fim, toda solidariedade ao movimento Ocupe Estelita, toda admiração ao grupo direito urbanos e toda esperança aos moradores do Coque no desejo que em algum dia eles possam viver em uma cidade mais justa, igualitária em que todos possam se sentir realmente em um ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

Marília Montenegro

terça-feira, 17 de junho de 2014

Ato de repúdio à violência e à criminalização da resistência democrática do #ocupeestelita

 Em pleno dia de jogo do Brasil no Nordeste, o Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco  descumpre acordo da suspensão da reintegração de posse, resultado de acordo entre Secretaria de Defesa Social, Ministério Público e Prefeitura do Recife.

 Mas não suficientemente ilegítima a investida, a ação foi pautada na violência e na ausência de diálogo, violentando fortemente figuras representativas do movimento como profa. Liana Cirne, com quem, nos solidarizamos em ato marcado para amanhã, 18.06.14 às 19h nas escadarias da Faculdade de Direito do Recife.

O Asa Branca estará presente e convoca a todos no ato de desagravo.

terça-feira, 29 de abril de 2014

CASE essa ideia


O Grupo Asa Branca de Criminologia e Izaelma Tavares vão promover atividade de resgate da autoestima das adolescentes do sexo feminino em conflito com a lei do Case Santa Luzia, através de booking fotográfico, elaborado pelo fotógrafo e estudante de Direito João Abelardo.

Para isso, precisamos ajuda/doação de todos que puderem com os seguintes itens:  

- maquiagens (dentro do prazo de validade)
- roupas femininas
-sapatos femininos
- acessórios
- lanches

Tudo para dar aquele UP no look e lanches! 

 As doações poderão ser realizadas no D.A. de Direito da Universidade.

PS: Vale lembrar que doação não só é de coisa usada, né?! Se você quiser comprar algumas coisas e doar, com certeza estará fazendo uma pessoa, como você, mais feliz!

Visite a página do Facebook, compartilhe e espalhe esta ideia! < https://www.facebook.com/pages/CASE-essa-ideia/629556517136154?notif_t=fbpage_fan_invite>

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Resultado seleção Pibic

Prezados,

Agradecemos a todos o empenho e o interesse na seleção do nosso Pibic. Tais sentimentos  por si mesmos são suficientes para justificar a pretensão de aprovarmos todos, no entanto, o número de vagas nos limita e impõe-nos realizar escolhas.

Não obstante não podermos contemplar todos no Pibic, temos outro projeto de pesquisa em andamento, para o qual precisamos de pessoas interessadas e comprometidas, como vocês, o que desde logo avisamos o seguinte:

1 - as alunas: Tatiane, Gabriela e Maria Eduarda estão convidadas a participar conosco das atividades do projeto de pesquisa do CNJ, cujas atividades serão informadas em momento oportuno.

2- resultado:

A) Pibicandos com profa.  Marília Montenegro ( a definição de bolsistas e voluntários será informados posteriormente)

- Luiza
- Iricherly
- Hallane
- João André
- Túlio Vinicius

B) Pibicandos com profa. Erica Babini (todos voluntários )

- williams
- Amanda

Parabéns a todos, agradecemos novamente as participações !!!


quarta-feira, 2 de abril de 2014

SELEÇÃO PIBIC


Divulgamos para aqueles que se interessarem que estaremos fazendo seleção de alunos para Projeto de Iniciação Científica - PIBIC para as professoras Érica Babini e Marília Montenegro na UNICAP.


Requisitos:
- regularmente matriculado
- coeficiente de rendimento do curso a partir de 8,0
- inexistência de reprovação em qualquer disciplina

Vagas:
- 6 a 7 vagas

Procedimento de seleção:
- prova oral com os textos:
a) Quem são os criminosos - A. Thompson
b) Soberania Patriarcal - Vera Regina Pereira de Andrade

Disponível em: Soberania Patriarcal e Quem são os criminosos


Datas:
- 11 de abril de 2014 às 14h
- Astepi


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

DE VOLTA ÀS DISCUSSÕES!

Na sexta-feira, dia 21 de fevereiro, no auditório da ASTEPI (UNICAP), às 14 horas, o Asa vai dar início às atividades do ano de 2014

Vamos debater o texto "Los conflictos como pertenencia", de Nils Christie. 

BAIXE O TEXTO AQUI!

A condução da discussão será feita por nossa querida Fernanda Fonseca, que trouxe toda a sua experiência com Justiça Restaurativa de Oxford!!

Não percam!!


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O Crime nosso de cada dia


Marília recentemente publicou uma construção literária sobre a expansão do sistema punitivo, cuja versão segue aqui em primeira mão!!!    


O crime nosso de cada dia
Marilia Montenegro Pessoa de Mello
Doutora pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Católica de Pernambuco e da Faculdade de Direito do Recife – UFPE.

Área do Direito: Penal; Criminologia Constitucional
Resumo: O texto apresenta de maneira informal a expansão do sistema punitivo e a criminalização dos movimentos sociais nas últimas manifestações no Brasil. A analise é feita a partir de uma narrativa em que um estudante universitário, no dia do seu aniversário de 18 anos, comete uma sequência de condutas tipificadas na legislação penal brasileira como crimes. No decorrer do dia desse jovem é possível perceber como o direito penaliza as relações cotidianas se afastando das propostas declaradas, especialmente do direito penal como “ultima, ratio” na concepção de um estado Democrático de Direito. Palavras-chave: Expansão do direito penal; criminalização dos movimentos sociais; criminologia crítica
Abstract: This article presents, in an informal way, the growing expansion of the punitive system and the criminalization of social movements during the recent protests in Brazil. Taking a narrative approach, it explores the story of an undergraduate student who, during his 18th birthday, commits a series of acts that are defined as criminal acts in Brazilian law. The analysis of this young man’s day reveals how far the law goes in penalising our everyday relationships, which in turn reveals how the law diverges from its declared aims – particularly the criminal law, the ‘ultima ratio’ in a democratic State based on the rule of law.
Hoje, neste evento1, poderia abordar a ineficiência de sistema penal de várias formas, poderia apresentar concepções teóricas, apontar dados, porém, acredito que a história de vida da cada um de vocês seja a melhor maneira de comprovar o “nonsense” do sistema punitivo.
Dessa forma, resolvi apenas fazer um relato sobre José, que poderia ser João, Pedro ou quem sabe Maria. Essa situação ocorreu aqui na cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco, mas poderia ter acontecido em qualquer cidade brasileira.
José vivia sonhando com o dia em que completaria 18 anos e poderia “tirar” sua carteira de motorista, comprar sua cerveja, suas revistas e ir ao cinema, sem nenhum temor de solicitarem sua carteira de identidade.
Hoje é o dia do 18.º aniversário de José.
José finalmente ficaria livre das ameaças constantes de sua mãe, pois ela fazia questão de lembrar toda sexta-feira, sempre na sexta-feira, que bebida era só para maiores de 18 anos. Já não aguentava dever favores ao seu irmão mais velho, logo agora que José tinha ingressado na Universidade e já era quase um profissional.
José acorda com vontade de fazer a barba e pensa na lista de atividades para realizar nesse dia tão importante.
Neste momento preciso fazer a seguinte explicação. Conforme o art. 27 do CP, o nosso amigo acordou imputável, embora, para contrariar parte da sociedade, a legislação ofereça alguns benefícios a José como: prazo prescricional reduzido pela metade e uma atenuante genérica, que é reconhecida como uma atenuante preponderante para os Tribunais Superiores, o que incomoda os autores de viés mais punitivista.
Voltemos a José.
Ele começou o dia se dirigindo até a autoescola, para finalizar os seus testes e, finalmente, receber sua carteira de motorista. No caminho, como estava apressado, tropeçou em uma planta ornamental, localizada no hall de entrada do prédio onde mora, além de sujar o tênis danificou três ou quatro galhos da planta.
Mais uma explicação.
Vamos considerar que José foi negligente, assim ele cometeu o primeiro crime de sua vida: dano a planta ornamental.
Pasmem. Tal crime admite a forma culposa, com pena de detenção um a seis meses, conforme o art. 49 da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais).
Na saída da autoescola estava próximo da Rua Afonso Pena, conhecida como “Rua da Xerox”, então aproveitou a oportunidade para pegar as cópias dos livros indicados pelos professores.
Estava orgulhoso, pois tinha reservado parte da mesada para comprar a xerox de três livros importantes para os seus estudos. Tinha certeza que seus pais ficariam felizes.
Explicando, nesse momento, José tinha acabado de cometer o crime do art. 184 do CP, com pena de detenção de três meses a um ano, como foram três livros já estamos no concurso de crimes, com sorte ele pode ser beneficiado pelo sistema da exasperação.
Com os livros nas mãos, e feliz da vida, foi chamado pelos seus colegas, estudantes do curso de ciência política da UFPE, para comparecer a passeata contra o aumento das passagens de ônibus. 2 Quando estava no Parque Treze de Maio, região central da cidade, em meio à confusão, foi empurrado por um PM. Rapidamente passa pela sua cabeça as suas aulas de história.
Então José afirma, ao Policial Militar, que é um cidadão de bem e que a ditadura tinha acabado. Por fim fala:
“– Camarada estou lutando pelos meus direitos.”
Naquele momento, ele não podia acreditar, o PM pediu seu documento de identificação e o autuou por crime de desacato. José ficou detido algumas horas no camburão até ser conduzido, junto com outros manifestantes, oriundos de escola pública, à delegacia de Santo de Amaro.
Na delegacia foi instaurado um termo circunstanciado de ocorrência e após assinar o termo de compromisso José foi liberado. Lá fora estava seu irmão. Mais um galho quebrado.
Arthur, o irmão mais velho de José, narra que a mãe deles estava em casa, aos prantos, e não para de indagar de si mesma o motivo do seu filho ter ido se meter em confusão, pois ela já tinha prometido que no final do ano, quando recebesse seu 13.º salário, iria dar a entrada em um carro para ele, mas agora tinha um filho fichado, processado criminalmente, um criminoso no dia do seu aniversário de 18 anos. Que vexame para família.
O irmão, de alguma forma, o consolou, todavia o adverte:
“– Por que você ofendeu o PM? Não foi essa educação que recebemos.”
José responde:
“– Arthur, eu não ofendi ninguém.”
Na volta para casa o trânsito da cidade estava parado e os dois passaram a conversar amenidades.
De repente o telefone de Arthur toca, é Lídia, sua namorada quase noiva, indagando onde ele estava e o porquê não tinha atendido ao telefone antes.
Arthur resume o que aconteceu.
A menina grita:
“– Que vexame! Um irmão criminoso. Eu sempre disse a você que seu irmão era muito alternativo e que um dia iria terminar mal. Conte a verdade Arthur pegaram ele com algum baseado?”
Nesse momento José não aguentou e solicita ao irmão que desligue o telefone, pois não gostaria de ter sua vida exposta.
Depois de um dia repleto de emoções, José já com 18 anos, resolveu falar o que estava engasgado, já fazia algum tempo. Agora o seu irmão teria que ouvir. É agora ou nunca.
“– Arthur, Lídia sabe que você fuma maconha?”
Aqui vale a lembrança do crime de uso de substancia entorpecente é crime, conforme o art. 28 da Lei 11.343/2006, no qual Arthur se enquadra como usuário de maconha.
O irmão não responde.
“– Arthur, Lídia não combina nada com você, sabia? Ela é uma burguesinha, e o pior é que usa a religião para tudo. Não aguento aquele discurso, e, principalmente, não suporto ter que orar antes das refeições quando vamos jantar na casa dela.
Arthur você já disse a Lídia suas percepções sobre Jesus Cristo?”
Mais uma vez impera o silêncio.
José continuou:
“– Arthur pense nesse relacionamento, a menina é fervorosa quando o assunto e religião, mas você já percebeu que ela praticamente não fala com a nossa Bá (Bá tinha sido a babá dos meninos e estava trabalhando com a família por aproximadamente 20 anos). Ela tudo agradece a Jesus, porém é incapaz de dizer um obrigado a Bá por um copo d’água.”
“Agora assim eu te pergunto: Essa foi a educação que nós recebemos?”
José naquele momento se sentiu forte. Achou que aquela foi a primeira conversa de homem para homem que teve com seu irmão.
O que não imaginava é que, nesse momento, estava praticando o crime mais grave do seu primeiro dia de imputável. E o pior, pelo seu caráter de imprescritível o crime iria acompanhar José até a sua morte, pois a única forma de extinção da punibilidade, no caso dos crimes de preconceito, é a morte do agente, já que o crime, conforme o art. 5.º, da Constituição brasileira, é inafiançável e imprescritível.
Para felicidade de José e para consumação do crime a religião de Lídia foi o motivo determinante para o fim do relacionamento dela com Arthur e assim é possível que José tenha praticado o nebuloso crime previsto no art. 14 da Lei de Racismo,3 que tem a seguinte redação:
“Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social.
Pena: reclusão de dois a quatro anos.”
No final do dia José deita a cabeça no travesseiro e pensa que tem orgulho dele mesmo.
Não era para menos, estava na Universidade, direcionou parte do dinheiro, que poderia ter gasto no Bar da Tripa, para tirar cópias, na íntegra, de todos os livros indicados pelo seu professor favorito. Não fez como outros colegas, que pirangaram e só tiraram cópia dos capítulos que o professor iria “cobrar na prova”.
Participou de uma passeata para melhorar o transporte público de sua cidade. Ele sabia da promessa de seus pais de um carro, já que seu irmão mais velho acabava de se formar em engenharia e estava empregado, agora o único peso da casa era ele, mas será que era justo mais um carro para ir até a Universidade? Como ficaria a mobilidade da cidade. Mais uma vez se orgulhava por pensar no coletivo e ri sozinho quando se lembra do que disse ao PM. O fato fez com que ele fosse parar na delegacia e lá, diferente do que aconteceu com os demais estudantes detidos, até conheceu o delegado, gente boa por sinal, porém, até agora, ele estava refletindo sobre a frase da autoridade:
“– Meu filho você é um menino de família o que estava fazendo ali?”
No que ele respondeu:
“– Ora, estava protestando Dr!”
O delegado era realmente gente boa e gostou dele, talvez o motivo da identificação fosse o fato dele ter estudado no mesmo colégio do filho do delegado e, por coincidência, morarem no mesmo bairro.
Depois o seu momento de glória, a conversa com o irmão sobre Lídia, para os seus pais a namorada, quase noiva do irmão, é a menina perfeita: estudante de medicina e religiosa, e frequenta a Igreja aos domingos.
Plaf! Para José isso era uma piada, pois nunca vai digerir a conversa que teve com Lídia sobre a música Haiti de Gil e Caetano. Em um domingo eles tiveram uma conversa sobre o novo Código Penal e a descriminalização do aborto. Quando o assunto foi aborto Lídia ficou indignada, bateu o pé pelo direito à vida, logo ela que quando Bá contou do assassinato do seu vizinho, com apenas 15 anos, pela polícia ela justificou logo:
“– Também se meteu com o quem não presta, né?”
Aí José, um estudante de ciência política, afirmou categoricamente:
“– Você me lembra a música de Haiti, no verso tanto amor ao feto e nenhum ao marginal.”
Ela passou meses sem olhar para José. Pensava ele antes de dormir:
“– Não, meu irmão não pode noivar e marcar casamento com essa moça. Logo ele que aos 16 anos me colocou para ler Nietzsche.”
No meio desses pensamentos José dormiu. Realizado, com muitos de nós, com a consciência tranquila depois dos crimes nossos de cada dia.
Contei essa história para dizer que concordo com Louk Hulsman, abolicionista holandês, quando afirma que a maior utopia que ele conhece não é o fim do sistema punitivo, mas sim a sua própria existência.
Em junho de 2013 voltamos a ter passeatas em várias cidades do Brasil por conta do aumento das passagens de ônibus e outras bandeiras. Só posso afirma que o mais importante é verificar que a juventude está nas ruas por uma causa coletiva: ausência do transporte público de qualidade. Esse movimento pode parar o Brasil e nos fazer pensar diante de tantas bandeiras que queremos e precisamos muito mais que chuteiras e lei penais.




Pesquisas do Editorial

Veja também Doutrina
• A Constituição e o sistema penal, de Sidnei Agostinho Beneti – RT 704/296; e
• Sistema penal consensual não punitivo – Lei 9.099/95, de Edison Miguel da Silva Júnior – RT 762/506.




 1 Palestra proferida na Universidade Católica de Pernambuco em evento organizado pela Escola de Advocacia Ruy Antunes (OAB-PE) em homenagem ao Prof. Cláudio Souto.
 2 No dia 20.01.2012 ocorreu no centro da Cidade do Recife uma passeata de estudantes, na sua maioria secundaristas, contra o aumento da passagem de ônibus. Após um confronto dos estudantes com a polícia, a passeata se dispersou e o grupo seguiu para a Faculdade de Direito do Recife, localizada em um prédio histórico no centro da cidade. Se reuniram em assembleia, agora com uma adesão maior de estudantes universitários, especialmente do curso de direito da UFPE e da Universidade Católica de Pernambuco para decidir os rumos do protesto. Em seguida existiu um novo confronto no local e a polícia, mais uma vez, agiu disparando bombas de efeito moral e balas de borracha.
 3 Aqui é importante explicar que: a chamada Lei de Racismo trata de outras formas de preconceito conforme determina o art. 1.º, com a seguinte redação: “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (grifo nosso).