quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Entrevista com Marcelo Freixo publicada na revista Trip


"Eu não gosto da teoria do estado ausente. O estado não é ausente. Ele é presente na zona sul de uma maneira e nas zonas norte e oeste de outra. Para a zona sul ele leva serviços. Nas favelas ele chega só através dos seus instrumentos de controle. Porque quando você fala de estado ausente parece que ele não tem o controle, o que não é verdade. O estado tem o controle, mas às vezes ele leiloa."

Esse é apenas um trechinho da entrevista com Marcelo Freixo, publicada na revista Trip. Interessantíssima!

http://revistatrip.uol.com.br/revista/206/paginas-negras/marcelo-freixo.html

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Seleção Mestrado em Direito - Unicap

 Prezados,



foi lançado edital de seleção do Mestrado em Direito da Unicap. Para maiores informações no link abaixo


http://www.unicap.br/home/pos/mestrados/mestrado-em-direito/

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Lei de drogas em discussão

Uma interessante iniciativa de Pedro Abramovay, professor e pesquisador da FGV (Rio), vai trazer para todos nós a oportunidade de acompanhar um pouco mais de perto o que vem sendo a política de caça ao inimigo levada a adiante através da aplicação da atual lei de drogas. Trata-se do site www.bancodeinjustiças.com.br, que conta ainda com o apoio da Associação Nacional dos Defensores Públicos, do Viva Rio e da Comissão Brasileira Sobre Drogas e Democracia. Lá cidadãos de todo o país podem testemunhar casos de injustiça que tem como base a aplicação da lei de drogas. Vale muito a pena conferir!


E ainda sobre o assunto, uma ampla pesquisa desenvolvida pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, intitulada Prisão Provisória e Lei de Drogas – Um estudo sobre os flagrantes de tráfico de drogas na cidade de São Paulo, acaba de sair do forno. A pesquisa vem reforçando os diversos estudos que, em todo o Brasil, apontam para o um uso abusivo das prisões provisórias. De medidas acauteladoras da investigação ou do processo, elas vem se transformando em verdadeiros mecanismos de legitimação de um sistema de justiça criminal em crise e sendo utilizadas como pena. Também vale conferir no http://www5.usp.br/politica-de-repressao-as-drogas-esta-voltada-ao-pequeno-traficante-mostra-estudo-do-nev/.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Querem chamar os direitos humanos?


Um amigo postou no facebook (que parece estar movimentando os posts desse blog) essa foto, que faz parte de uma campanha cujo mote é: “Querem chamar os direitos humanos?”. A campanha, como se percebe, ironiza com os direitos humanos e incita a violência policial.

A foto é muito simbólica e representativa de um certo ideário partilhado no senso comum, de que direitos humanos são privilégios de bandidos e que, por isso, são ruins.

Como essa associação entre direitos humanos e bandidos se tornou tão usual? Para responder a essa pergunta é preciso lembrar de dois acontecimentos que marcaram a história dos movimentos sociais no Brasil.

O primeiro deles diz respeito ao fato de os movimentos sociais, que até a década de 70 eram identificados como movimentos de pauta única (oposição e organização da classe operária face à burguesia), terem passado a concentrar lutas de outras minorias (mulheres, negros, homoafetivos etc), levando-os até mesmo a serem denominados de “novos movimentos sociais”. É sempre importante lembrar que chamá-los de “novos” pode dar a impressão de que o capitalismo deixou de ser alvo desses movimentos, o que francamente não é verdade. Basta olhar a atuação dos maiores movimentos sociais da América Latina. Mas bem, “novos” ou não, o fato é que a pauta dos direitos humanos (os sociais, mas também os de cunho eminentemente liberal) passa a integrar suas agendas.

Outro fator foi ter o sistema punitivo e suas mazelas passado a fazer parte dos debates de muitos desses movimentos sociais, após, como nos lembra Luciano Oliveira no Direitos Humanos e Cultura Política de Esquerda, a classe média e alta politizada brasileira ter sido “apresentada” ao cárcere como presos políticos.

Foi dessa forma que o sistema punitivo se tornou pauta dos movimentos sociais. Tereza Caldeira, no trabalho intitulado Direitos humanos ou privilégios de bandidos? Desventuras da democratização brasileira, argumenta que os presos comuns, ao contrário de minorias que se afirmavam à época (mulheres, homossexuais, negros etc), não possuíam uma identidade a defender, eram bandidos, criminosos não dos crimes políticos, entendidos como realmente injustos. Em razão disso, foi preciso que a bandeira em defesa dos presos comuns fosse hasteada por setores externos a eles como a igreja, os juristas e intelectuais. Estes, ao defenderem os direitos humanos, foram acusados de defensores de bandidos e, em uma dedução lógica perversa, os próprios direitos humanos passaram a ser entendidos como coisa de bandido.

Assim, militantes que lutavam por uma ampla e vasta gama de direitos humanos (educação, moradia, saúde, liberdade) foram reduzidos a um exercito de uma pauta só – sistema carcerário – e, pior, a luta contra o sistema carcerário passou a ser identificada como uma luta a favor do bandido, em uma tentativa clara de deslegitimar a crítica ao sistema de justiça criminal e em um mecanismo perigoso de identificação do bandido como um inimigo destituído de direitos.

Polariza-se assim a sociedade em dois lados: o do bem, onde está a sociedade dos normais e dos amigos que sofrem com a insegurança e o do mal, onde estão os inimigos, bandidos e os direitos humanos.

É esse pensamento entre o bem e o mal que nos faz assistir atônitos a graves e incontornáveis violações de direitos humanos que são reproduzidas diariamente em torno de todo o sistema de justiça criminal e, em especial, nas prisões. Respondendo ao mote da campanha, nós queremos chamar sim os direitos humanos e queremos chamá-los para frear, como nos fala a Vera R. P. de Andrade, o gigante punitivo. Mas bom mesmo é chamar os direitos humanos para destruir de vez esse gigante que traz consigo o cassetete no qual não deveria estar escrito direitos humanos, mas tortura, morte, dor, sofrimento, seletividade, injustiça, criminalização da pobreza e por aí vai...

Último Encontro do ano - 16.12.11 às 14h na ASTEPI

Olá!!! Como marcado, nosso último encontro já está agendado para 16.12, precisávamos definir apenas o texto! E já que estávamos falando tanto de abolicionismo - vamos começar a entender melhor esta proposta....

O link do texto está abaixo! Boa leitura e nos vemos no dia 16.12. Abraços
http://www.4shared.com/document/EJb75pxV/_Horizonte-2.html

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O Direito Penal Mínimo e a Criminalização da Homofobia


Hoje um amigo me fez a seguinte pergunta (no facebook, num post sobre o PL122 que visa, dentre outras providências, criminalizar a homofobia): "[...] qual sua posição sobre a criminalização da homofobia frente ao movimento doutrinário que prega um "direito penal mínimo"?"

Achei pertinente dividir minha opinião com vocês. Segue a minha resposta para ele...

A referida doutrina prega, basicamente, que ao Direito Penal devem ser reservadas as condutas mais perigosas que atentam contra os bens jurídicos mais importantes. E, na minha opinião, a homofobia pode compreender uma gama de condutas das mais perigosas (e.g. ofender a integridade corporal ou matar) que não raras vezes atentam contra vários bens jurídicos de suma importância (e.g. integridade física ou vida). A homofobia é mais um daqueles processos que o anglo-saxão chama de “othering” (num neologismo português, “outrização”). Quer dizer, um processo através do qual se constrói a ideia de que existe uma categoria de “outros” que se opõe à categoria de “nós” – “nós”, seres humanos mais “corretos”, mais “normais”, “superiores”. A história mundial já mostrou a que ponto pode chegar um processo de “othering” – basta citar o Holocausto como exemplo. Por acreditar que a homofobia é tudo isso, sou a favor de sua criminalização e, no caso, não vislumbro qualquer atentado à doutrina do Direito Penal Mínimo. Alguns irão argumentar que se a homofobia é uma forma de racismo, desnecessárias seriam quaisquer alterações legislativas – a conduta já estaria tipificada e pronto. Mas eu acrescento que um tratamento legislativo-penal específico à homofobia atende à necessidade política-criminal de se mostrar a todos quão séria e perigosa é essa conduta. Dito doutro modo, ao lado dos meus primeiros argumentos, acrescento que a legislação penal exerce uma função simbólica que, no caso em tela, não pode ser ignorada. Ela, a legislação penal, também serve para mostrar à sociedade quais condutas são inconcebíveis ao ponto de se poder tirar a liberdade dos indivíduos que cheguem a praticá-las. E qualquer forma de “othering”, na minha opinião, é inconcebível a esse ponto.

Aqui no Blog do Asa Branca, gostaria de acrescentar mais uma coisa. A pergunta do meu amigo é muito boa, por nos fazer lembrar de uma questão importante: não devemos romantizar o discurso do Direito Penal Mínimo. Quando, nos nossos debates, defendemos a descriminalização de certas condutas, formas alternativas de punição (para evitar a pena privativa de liberdade), ou até mesmo questionamos a lógica punitiva, nada disso é no intuito de promover a impunidade ou de promover um Estado de liberdade absoluta em que todos possam fazer o que bem entenderem. O que fazemos, isso sim, é defender uma utilização mais responsável do Direito Penal, que se alimente de evidências científicas e não dos gritos do senso comum. O Direito Penal é tão extremo quanto importante e, por isso, ainda deve ser reservado às condutas mais perigosas. O que precisamos descobrir (ou explorar) são formas mais eficazes e eficientes de manusear essa reação extrema do Estado. Precisamos, num bom nordestinês, "cascavilhar" o que se esconde por detrás da lógica punitiva. Precisamos desmascarar a seletividade através da qual a punição é operada. Precisamos questionar o sucesso de políticas criminais que, dizem, deram certo noutras culturas e realidades sociais destintas das brasileiras. Precisamos encontrar outras respostas penais, mais justas e significativas que a prisão. Quando embarcamos em debates a favor de um Direito Penal Mínimo, portanto, não estamos aprovando (ou sendo indiferentes às) condutas que atentam contra qualquer bem jurídico - dos menos aos mais importantes. Estamos tentando encontrar, verdadeiramente, uma forma mais segura e harmônica de viver em sociedade. 

sábado, 26 de novembro de 2011

O Alemão é muito mais complexo

Texto da Profa. Vera Malaguti: O Alemão é muito mais complexo!!!

http://www.4shared.com/document/aL1AbM-r/MALAGUTI_alemaocomplexo1_2011-.html

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Inacreditável.


DECISÃO- AREsp 6400
Mantida condenação de Pernambuco a indenizar inocente que ficou 19 anos preso
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento realizado na última terça-feira (22), manteve a condenação do Estado de Pernambuco por ter deixado preso ilegalmente o cidadão Marcos Mariano da Silva. Em 2006, o STJ já havia declarado o caso como o mais grave atentado à dignidade humana já visto no Brasil, e condenado o estado a pagar indenização de R$ 2 milhões.

O recurso atual buscava discutir o prazo inicial de incidência de correção monetária, em sede de embargos à execução. Conforme noticiário nacional, Silva faleceu na noite de terça-feira, horas após tomar conhecimento da decisão favorável a sua causa.

Crueldade

Em 2006, os ministros reconheceram a extrema crueldade a que Silva foi submetido pelo poder público. Preso em razão de simples ofício, sem inquérito ou condenação, foi “simplesmente esquecido no cárcere”. Em decorrência de maus tratos e violência, ficou cego dos dois olhos, perdeu a capacidade de locomoção e contraiu tuberculose. A família, à época da prisão composta de mulher e 11 filhos, desagregou-se.

A primeira instância havia fixado indenização de R$ 356 mil, valor aumentado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) para R$ 2 milhões. Essa foi a decisão mantida pelo STJ em 2006, ao julgar recurso apresentado pelo Estado de Pernambuco.

Agora, o ente governamental tentava forçar a apreciação pelo Tribunal da data a partir da qual deveria ser contada a correção monetária. O pedido de remessa do recurso especial ao STJ foi negado pelo TJPE, levando o estado a recorrer com agravo – negado inicialmente pelo relator. O estado recorreu novamente, levando a decisão para o colegiado.

Divergência notória

O ministro Teori Zavascki já havia rejeitado a apreciação do recurso especial por falta de indicação, no pedido do estado, da lei federal supostamente violada ou da jurisprudência divergente que o habilitasse. Mas Pernambuco forçou que o julgamento fosse levado aos demais ministros da Primeira Turma, por meio de agravo regimental no agravo em recurso especial.

Segundo argumentou o estado, o dissídio jurisprudencial seria notório, em vista de a decisão local contrariar súmula do STJ que trata do termo inicial de contagem da correção monetária, em caso de indenização por dano moral. O relator, no entanto, divergiu.

Para o ministro, o agravo regimental não acrescentou qualquer elemento apto a alterar os fundamentos de sua decisão inicial. A divergência não seria notória, como alegado, em razão de as decisões apontadas como referência tratarem de contexto factual diferente do caso analisado.

Coisa julgada

A principal disparidade seria a coisa julgada formada na situação de Silva, discussão ausente nos processos indicados como paradigma, explicou o relator. No caso, o TJPE aumentou o valor da indenização sem alterar a data de início da contagem da correção monetária fixada na sentença. Essa decisão transitou em julgado.

“Resta evidente a ausência de similitude fática em relação aos acórdãos paradigmas, na medida em que neles não é feita qualquer referência em relação ao trânsito em julgado da decisão que fixou o termo inicial da correção monetária, bem como de eventual efeito substitutivo do acórdão reformador”, concluiu o ministro Teori Zavascki.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Para refletir...

Segue abaixo um texto muito interessante, escrito pelo Juiz Federal e Professor de Direito Constitucional George Marmelstein Lima. Vocês já pararam para pensar como o princípio constitucional da proporcionalidade tem sido utilizado, na área criminal, para aumentar penas e enrijecer regimes de cumprimento das mesmas? Quantas vezes não nos deparamos com julgados que utilizam o argumento da proporcionalidade como se o conteúdo deste valor fosse evidente? Proporcional a que? Ao populismo punitivo? Às tendências norte-americanas de… Estado Penal?! O princípio da proporcionalidade é importante e deve ser trazido à baila, mormente quando é o direito à liberdade que está em jogo. Mas ele não pode substituir a arte-dever da argumentação e a obrigação de se motivar decisões judicias. Não basta dizer que a pena será essa, que o regime de cumprimento de pena será aquele, ou que o benefício penal deve ser negado, tudo isso em nome do princípio da proporcionalidade. É necessário que as decisões esclareçam as razões da dita (des)proporcionaidade frente àquele caso concreto… Reflitam e se divirtam
 

Alexy à Brasileira ou a Teoria da Katchanga
George Marmelstein Lima



Na semana passada, viajei para Floripa para ministrar minha aula no módulo de direito constitucional na Emagis. Após as aulas, dei uma volta pela cidade com alguns juízes federais que participaram do curso e, através deles, ouvi a seguinte anedota:
Um rico senhor chega a um cassino e senta-se sozinho em uma mesa no canto do salão principal. O dono do cassino, percebendo que aquela seria uma ótima oportunidade de tirar um pouco do dinheiro do homem rico, perguntou se ele não desejaria jogar.
- Temos roleta, blackjack, texas holden’ e o que mais lhe interessar, disse o dono do Cassino.
- Nada disso me interessa, respondeu o cliente. Só jogo a Katchanga.
O dono do cassino perguntou para todos os crupiês lá presentes se algum deles conhecia a tal da Katchanga. Nada. Ninguém sabia que diabo de jogo era aquele.
Então, o dono do cassino teve uma idéia. Disse para os melhores crupiês jogarem a tal da Katchanga com o cliente mesmo sem conhecer as regras para tentar entender o jogo e assim que eles dominassem as técnicas básicas, tentariam extrair o máximo de dinheiro possível daquele “pote do ouro”.
E assim foi feito.
Na primeira mão, o cliente deu as cartas e, do nada, gritou: “Katchanga!” E levou todo o dinheiro que estava na mesa.
Na segunda mão, a mesma coisa. Katchanga! E novamente o cliente limpou a mesa.
Assim foi durante a noite toda. Sempre o rico senhor dava o seu grito de Katchanga e ficava com o dinheiro dos incrédulos e confusos crupiês.
De repente, um dos crupiês teve uma idéia. Seria mais rápido do que o homem rico. Assim que as cartas foram distribuídas, o crupiê rapidamente gritou com ar de superioridade: “Katchanga!”
Já ia pegar o dinheiro da mesa quando o homem rico, com uma voz mansa mas segura, disse: “Espere aí. Eu tenho uma Katchanga Real!”. E mais uma vez levou todo o dinheiro da mesa…
Ao ouvir essa piada, lembrei imediatamente do oba-oba constitucional que a prática jurídica brasileira adotou a partir das idéias de Alexy.
Como é do costume brasileiro, a teoria dos princípios de Alexy foi, em grande parte, distorcida quando chegou por aqui.
Para compreender o que quero dizer, vou explicar, bem sinteticamente, os pontos principais da teoria de Alexy.
Alexy parte de algumas premissas básicas e necessariamente interligadas:
(a) em primeiro lugar, a idéia de que os direitos fundamentais possuem, em grande medida, a estrutura de princípios, sendo, portanto, mandamentos de otimização que devem ser efetivados ao máximo, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas que surjam concretamente;
(b) em segundo lugar, o reconhecimento de que, em um sistema comprometido com os valores contitucionais, é freqüente a ocorrência de colisões entre os princípios que, invariavelmente, acarretará restrições recíprocas entre essas normas (daí a relativização dos direitos fundamentais);
(c) em terceiro lugar, a conclusão de que, para solucionar o problema das colisões de princípios, a ponderação ou sopesamento (ou ainda proporcionalidade em sentido estrito) é uma técnica indispensável;
(d) por fim, mas não menos importante, que o sopesamento deve ser bem fundamentado, calcado em uma sólida e objetiva argumentação jurídica, para não ser arbitrário e irracional.
Os itens a, b e c já estão bem consolidados na mentalidade forense brasileira. Hoje, já existem diversas decisões do Supremo Tribunal Federal aceitando a tese de relativização dos direitos fundamentais, com base na percepção de que as normas constitucionais costumam limitar-se entre si, já que protegem valores potencialmente colidentes. Do mesmo modo, há menções expressas à técnica da ponderação, demonstrando que as idéias básicas de Alexy já fazem parte do discurso judicial.
O problema todo é que não se costuma enfatizar adequadamente o último item, a saber, a necessidade de argumentar objetivamente e de decidir com transparência. Esse ponto é bastante negligenciado pela prática constitucional brasileira. Costuma-se gastar muita tinta e papel para justificar a existência da colisão de direitos fundamentais e a sua conseqüente relativização, mas, na hora do pega pra capar, esquece-se de fundamentar consistentemente a escolha.
Por isso, todas as críticas que geralmente são feitas à técnica da ponderação – por ser irracional, pouco transparente, arbitrária, subjetiva, antidemocrática, imprevisível, insegura e por aí vai – são, em grande medida, procedentes diante da realidade brasileira. Entre nós, vigora a teoria da Katchanga, já que ninguém sabe ao certo quais são as regras do jogo. Quem dá as cartas é quem define quem vai ganhar, sem precisar explicar os motivos.
Virgílio Afonso da Silva conseguiu captar bem esse fenômeno no seu texto “O Proporcional e o Razoável”. Ele apontou diversos casos em que o STF, utilizando do pretexto de que os direitos fundamentais podem ser relativizados com base no princípio da proporcionalidade, simplesmente invalidou o ato normativo questionado sem demonstrar objetivamente porque o ato seria desproporcional.
Para ele, “a invocação da proporcionalidade [na jurisprudência do STF] é, não raramente, um mero recurso a um tópos, com caráter meramente retórico, e não sistemático (…). O raciocínio costuma ser muito simplista e mecânico. Resumidamente: (a) a constituição consagra a regra da proporcionalidade; (b) o ato questionado não respeita essa exigência; (c) o ato questionado é inconstitucional”.
Um exemplo ilustrativo desse fenômeno ocorreu com o Caso da Pesagem dos Botijões de Gás (STF, ADI 855-2/DF).
O Estado do Paraná aprovou uma lei obrigando que os revendedores de gás pesassem os botijões na frente do consumidor antes de vendê-los. A referida norma atende ao princípio da defesa do consumidor, previsto na Constituição. E certamente não deve ter sido fácil aprová-la, em razão do lobby contrário dos revendedores de gás. Mesmo assim, a defesa do consumidor falou mais alto, e a lei foi aprovada pela Assembléia Legislativa, obedecendo formalmente a todas as regras do procedimento legislativo.
A lei, contudo, foi reputada inconstitucional pelo STF por ser “irrazoável e não proporcional”. Que aspectos da proporcionalidade foram violados? Ninguém sabe, pois não há na decisão do STF. Katchanga!
No fundo, a idéia de sopesamento/balanceamento/ponderação/proporcionalidade não está sendo utilizada para reforçar a carga argumentativa da decisão, mas justamente para desobrigar o julgador de fundamentar. É como se a simples invocação do princípio da proporcionalidade fosse suficiente para tomar qualquer decisão que seja. O princípio da proporcionalidade é a katchanga real!
Não pretendo, com as críticas acima, atacar a teoria dos princípios em si, mas sim o uso distorcido que se faz dela aqui no Brasil. Como bem apontou o Daniel Sarmento: “muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem a justiça – ou o que entendem por justiça -, passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com os seus jargões grandiloqüentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras ‘varinhas de condão’: com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser” (SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Lúmen Juris, 2006, p. 200).
Sarmento tem razão. Esse oba-oba constitucional existe mesmo. E não é só entre os juízes de primeiro grau, mas em todas as instâncias, inclusive no Supremo Tribunal Federal.
Isso não significa dizer que se deve abrir mão do sopesamento. Aliás, não dá pra abrir mão do sopesamento, já que ele é inevitável quando se está diante de um ordenamento jurídico como o brasileiro que aceita a força normativa dos direitos fundamentais.
O que deve ser feito é tentar melhorar a argumentação jurídica, buscando dar mais racionalidade ao processo de justificação do julgamento, através de uma fundamentação mais consistente, baseada, sobretudo, em dados empíricos e objetivos que reforcem o acerto da decisão tomada.
Abaixo a katchangada!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Próximo encontro do grupo de Criminologia Asa Branca 25.10



Encontro do grupo de criminologia  Asa Branca, dia 25.11 às 14h no auditório da ASTEPI, Unicap.

 A discussão do texto será conduzida pela profa.  Marília Montenegro e será baseado no texto de Profa. Vera Regina P. de Andrade - Flagrando a ambiguidade da dogmática penal, disponível no link abaixo.

Esperamos vocês por lá!!!!
Flagrando a ambiguidade da dogmática

sábado, 12 de novembro de 2011

Murar o medo por Mia Couto


Mia Couto, nascido António Emílio Leite Couto, é um biólogo e escritor moçambicano. Chama-se Mia por causa dos gatos: “Eu era miúdo, tinha dois ou três anos e pensava que era um gato, comia com os gatos. Meus pais tinham que me puxar para o lado e me dizer que eu não era um gato. E isto ficou.”
Em uma conferência sobre segurança, realizada em maio de 2011, o poeta-gato fala – com extrema sensibilidade – sobre o medo que nos aprisiona, silencia, o medo que nos impede de olhar o outro e descobrir as belezas do desconhecido. Escutemos, pois, a maravilhosa fala do escritor:


Murar o medo – Mia Couto

O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas, aprendi a temer monstros, fantasmas e demónios. Os anjos, quando chegaram, já era para me guardarem, servindo como agentes da segurança privada das almas. Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinavam a recear os desconhecidos. Na realidade, a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambientes que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território.
O medo foi, afinal, o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura, algo me sugeria o seguinte: que há neste mundo mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.
No Moçambique colonial em que nasci e cresci, a narrativa do medo tinha um invejável casting internacional: os chineses que comiam crianças, os chamados terroristas que lutavam pela independência do país, e um ateu barbudo com um nome alemão. Esses fantasmas tiveram o fim de todos os fantasmas: morreram quando morreu o medo. Os chineses abriram restaurantes junto à nossa porta, os ditos terroristas são governantes respeitáveis e Karl Marx, o ateu barbudo, é um simpático avô que não deixou descendência.
O preço dessa construção [narrativa] de terror foi, no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades. Em nome da segurança mundial foram colocados e conservados no Poder alguns dos ditadores mais sanguinários de que há memória. A mais grave herança dessa longa intervenção externa é a facilidade com que as elites africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos.
A Guerra-Fria esfriou mas o maniqueísmo que a sustinha não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do medo, a Oriente e a Ocidente. E porque se trata de novas entidades demoníacas não bastam os seculares meios de governação… Precisamos de intervenção com legitimidade divina… O que era ideologia passou a ser crença, o que era política tornou-se religião, o que era religião passou a ser estratégia de poder.
Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas. A manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome. Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para enfrentar as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania. Todos sabemos que o caminho verdadeiro tem que ser outro. Todos sabemos que esse outro caminho começaria pelo desejo de conhecermos melhor esses que, de um e do outro lado, aprendemos a chamar de “eles”.
Aos adversários políticos e militares, juntam-se agora o clima, a demografia e as epidemias. O sentimento que se criou é o seguinte: a realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e a humanidade é imprevisível. Vivemos – como cidadãos e como espécie – em permanente situação de emergência. Como em qualquer estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa.
Todas estas restrições servem para que não sejam feitas perguntas [incomodas] como, por exemplo, estas: porque motivo a crise financeira não atingiu a indústria de armamento? Porque motivo se gastou, apenas o ano passado, um trilião e meio de dólares com armamento militar? Porque razão os que hoje tentam proteger os civis na Líbia são exatamente os que mais armas venderam ao regime do coronel Kadaffi? Porque motivo se realizam mais seminários sobre segurança do que sobre justiça?
Se queremos resolver (e não apenas discutir) a segurança mundial – teremos que enfrentar ameaças bem reais e urgentes. Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que sejam precisos pretextos de guerra. Essa arma chama-se fome. Em pleno século 21, um em cada seis seres humanos passa fome. O custo para superar a fome mundial seria uma fracção muito pequena do que se gasta em armamento. A fome será, sem dúvida, a maior causa de insegurança do nosso tempo.
Mencionarei ainda outra silenciada violência: em todo o mundo, uma em cada três mulheres foi ou será vítima de violência física ou sexual durante o seu tempo de vida… A verdade é que… pesa uma condenação antecipada pelo simples facto de serem mulheres.
A nossa indignação, porém, é bem menor que o medo. Sem darmos conta, fomos convertidos em soldados de um exército sem nome, e como militares sem farda deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e de discutir razões. As questões de ética são esquecidas porque está provada a barbaridade dos outros. E porque estamos em guerra, não temos que fazer prova de coerência nem de ética nem de legalidade.
É sintomático que a única construção humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha. A chamada Grande Muralha foi erguida para proteger a China das guerras e das invasões. A Muralha não evitou conflitos nem parou os invasores. Possivelmente, morreram mais chineses construindo a Muralha do que vítimas das invasões do Norte. Diz-se que alguns dos trabalhadores que morreram foram emparedados na sua própria construção. Esses corpos convertidos em muro e pedra são uma metáfora de quanto o medo nos pode aprisionar.
Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos. Mas não há hoje no mundo muro que separe os que têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós, do sul e do norte, do ocidente e do oriente… Citarei Eduardo Galeano acerca disso que é o medo global:
“Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quem não têm medo da fome, têm medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras.”
E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe.
Mia Couto

domingo, 6 de novembro de 2011

            
 APRESENTANDO OS IDEAIS


    É comum perceber no discurso do senso comum que a violência é banalizada, o medo de sofrê-la é rotineiro, e por isso, a demanda por mais punição a infratores, mais polícias ostensivas, mais programas de segurança pública mais “duros.” Além disso, em momentos de crise e de forte clamor popular em razão de um crime ou outro, propostas como a pena de morte, a redução da maioridade penal e o fortalecimento do estado penal reaparecem reforçando a ideia de que as soluções para o nosso problema estão na expansão do lado mais forte e violento do estado, o seu braço penal.
            Vive-se um tempo em que heranças históricas parecem permanecer rondando o funcionamento do nosso sistema de justiça criminal. Um sistema de justiça que no fim do século XIX perseguia pobres ao criminalizar condutas como a prática de capoeira – os maltas - e que no século XXI parece seguir a sua saga, autorizando a entrada truculenta de polícias em bairros periféricos sob a justificativa de se estabelecer a paz, em um perverso mecanismo de legitimação de uma “violência legítima” – e aqui nos permita a aparente redundância - que persegue parcelas específicas da sociedade.