sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A LEGALIDADE ESTÁ ACIMA DOS DIREITOS HUMANOS?






Texto de Cristhovão Gonçalves, acadêmico do curso de Direito da UFPE


De um lado, mais de cinco mil pessoas reivindicando o direito à moradia; do outro, três atores principais garantidores do statuos quo: o Judiciário paulista, a Prefeitura do município de São José dos Campos e o Governo do Estado personificado na ilustre figura de Geraldo Alckmin. Esses poderosos atores confirmam que as “alianças pré-estabelecidas” valem mais do que a esquecida justiça social. Do confronto desproporcional dessas forças, surgiu mais um caso de graves violações de direitos humanos, com uma comunidade inteira despejada, dezenas de presos e feridos e mais de dez desaparecidos.

Em face da disputa judicial entre a  Associação Democrática por Moradia e Direitos Sociais e a massa falida do conhecido especulador Naji Nahas - responsável pela quebra da bolsa de valores do Rio de Janeiro, condenado por crime falimentar cuja execução não ocorreu devido à morosidade do Judiciário e o alcance do instituto da prescrição intercorrente - nota-se como a especulação imobiliária teve êxito frente à dignidade humana e ao direito constitucional de moradia.

É questionável o “célere” cumprimento da lei, no caso em tela, posto que mais de mil e seiscentas famílias foram da maneira vergonhosa e desumana retiradas de seus lares, sem mesmo que a proba Justiça brasileira tivesse, enfim, dado um deslinde processual a causa ou que os Chefes dos Poderes Executivos estadual e municipal tivessem minimamente planejado a realocação desses cidadãos – sim, eles são pobres, mas são cidadãos – em outros habitações.

Na era das privatizações e do mercado livre, adverte Eduardo Galeano, o dinheiro governa sem intermediários. Qual a função que se atribui ao Estado? “O Estado deve ocupar-se da disciplina da mão de obra barata, condenada a um salário-anão, e da repressão das perigosas legiões de braços que não encontram trabalho: um Estado Juiz e policial, e pouco mais do que isso. Em muitos países do mundo a justiça social foi reduzida à justiça penal”.Em vista dessa conjuntura conclui, brilhantemente, o autor de As Veias Abertas na América Latina: "hoje em dia, a razão de Estado é a razão dos mercados financeiros que dirigem o mundo e que produzem tão só a especulação".

Lamentavelmente, para o irretocável triunfo da especulação imobiliária, o “Estado testa de ferro dos interesses privados” esqueceu da ficção jurídica chamada FUNÇÃO SOCIAL da propriedade, justamente quando ela deveria ser coroada como elemento essencial de validade ao conceito de PROPRIEDADE. E mais uma vez, o “braço repressor do Estado” - da forma que lhe é mais peculiar; qual seja: com truculência e arbitrariedades - garantiu o cumprimento da lei...

Em nome do Pacto Federativo previsto na Carta Magna, o governo federal timidamente se pronunciou demonstrando a intenção de solucionar pacificamente a controvérsia, isso antes do caos e barbárie tomarem conta de São Paulo. Por outro lado, para as mortes, agressões físicas e morais, helicópteros que incansavelmente “choraram spray de pimenta", incêndios, bombas de efeito “moral”, balas de borracha e de chumbo, ainda não houve pronunciamento oficial.

A Anistia Internacional, sem entrar no País, reconheceu o que a mídia hegemônica insiste em esconder: “a operação foi efetuada de modo totalmente inadequado: nas primeiras horas da manhã de domingo e sem nenhum aviso apropriado. A expulsão foi levada a cabo apesar de as autoridades estarem em meio a uma negociação que visava encontrar uma saída pacífica”.

Da atuação da polícia militar em Pinheirinho, percebe-se como a Doutrina de Segurança Nacional, forjada pela Escola Superior de Guerra, mantem-se pungente em nossa frágil democracia, que continua tratando de sufocar o grito do inimigo interno dos Movimentos Sociais.

De Pinheirinho nem tudo foi perdido e destruído pelo fogo e tratores: ficou uma excelente propaganda contra a direita obsoleta do PSDB , sem que a esquerda governista tenha, mesmo que verbalmente, condenado e repudiado o massacre perpetrado sobre a aquiescência do Poder Judiciário e Executivo. Conforme declarações da presidenta Dilma Rousseff, na recente visita a Cuba: "o mundo precisa se comprometer, em geral, e não é possível fazer da política de direitos humanos só uma arma de combate político-ideológico; o mundo precisa se convencer de que é algo que todos os países têm de se responsabilizar, inclusive o nosso". Seria uma referência tímida à explícita afronta aos direitos humanos no Estado de São Paulo?

Denúncias à Comissão Interamericana de Direitos Humanos foram realizadas, e muito embora saibamos que na Escola do Mundo ao Avesso, como ensina Galeano: “os violadores que mais ferozmente violam a natureza e os direitos humanos jamais serão presos; eles têm a chave das prisões", todos nós não deixamos de ser PINHEIRO em busca da democracia, dos direitos fundamentais e na luta contra a violência e truculência que emanam da “mais perfeita legalidade”.