quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Dos chinelos aos sapatos sujos


Na manhã e durante a tarde do dia 16/12/2014, o Grupo Asa Branca de Criminologia foi brindado com a defesa da tese de doutoramento de uma de suas mais importantes membras: a Professora, e agora oficialmente Doutora, Érica Babini. A coragem de Érica, que ousou enunciar os discursos contra-hegemônicos da potente criminologia de base crítica, emocionou a nós todas/os, encheu-nos de esperança e ainda mais desejo de continuar nesse front de batalha contra a irracionalidade do sistema punitivo, contra a mortificação de subjetividades e esperanças que se operacionaliza via cárcere ou via unidades de internação para jovens em conflito com a lei, as antessalas da cadeia.




O que mais nos tocou, contudo, foi o texto com o qual a Professora Érica nos presenteou ao final daquele dia: “Chinelos e sapatos”. Érica percebeu, após mais de um ano de pesquisa nas Varas da Infância e na unidade da Funase, Sta. Luzia, que “chinelos e sapatos são espaços que demarcam cidadania”. Os chinelos eram dos/as meninos/as e jovens algemados que passavam pela via crucis do julgamento, os sapatos eram dos polidos e bem cheirosos indivíduos da sala de audiência. Os sapatos também estiveram nos pés de alguns naquela manhã e tarde em que Érica defendeu seu trabalho. Mas todos esses sapatos estão sujos e o estão de uma maneira muito mais difícil de limpar do que os chinelos das meninas do Sta. Luzia.




A criminologia de base crítica ensinou a Érica e a todos/as nós do Asa Branca que para pensar uma sociedade liberta da opressão penal e de tantas outras opressões consubstanciadas em diversos ISMOS combatidos por nós, precisamos deixar os nossos sapatos sujos na soleira da porta dos tempos novos. Precisamos nos descalçar de compreensões seculares de um positivismo jurídico ultrapassado que, conforme a Professora Vera Regina Pereira de Andrade, fez a dogmática penal receber a coroa e faixa de rainha, reinando com absoluta soberania, enquanto todos os demais saberes, integrativos do amplo espectro das chamadas ciências criminais, se consolidariam, e bem, com faixas de segundas e terceiras princesas. Precisamos nos descalçar do apego da pena e da prisão como um “mal necessário”. Nenhum mal é necessário! Precisamos nos descalçar da ideia de que o sistema penal é o único capaz de resolver os mais sensíveis conflitos sociais. Esse sistema não resolve conflito algum e, conforme a Professora Maria Lúcia Karam, unir ao dano do crime a dor da pena é multiplicar danos, invés de resolvê-los. Precisamos nos descalçar, sobretudo, dos sapatos de magistrados, da pompa de desembargadores que necessitam defender a todo custo a sua classe mesmo que não se saiba bem ainda de quê. Precisamos nos descalçar dos sapatos sujos da arrogância e prepotência dos juristas que não sabem nem querem pesquisar, dos sapatos que tornam nossos pés insensíveis ao delicado e complexo terreno das etnografias. Precisamos nos descalçar, por fim e principalmente, dos sapatos do machismo. Sapatos que fazem homens se sentirem no direito de avaliar uma mulher sobre um estudo que envolve meninas. Naquele dia as meninas continuaram com seus chinelos, os homens que julgavam a elas e à mulher professora continuavam com seus sapatos, mas a mulher, professora e criminóloga, ela se descalçou.




A criminologia crítica teve como uma de suas virtudes a violação da Lei de Hume, aquela na qual argumentos empíricos não podem ser utilizados para desqualificar premissas normativas e vice-versa. Isso porque a tal lei constitui um argumento típico do positivismo científico, que sustenta no direito penal e na criminologia etiológica pensamentos ortodoxos, muitas vezes e quase sempre, autistas, um discurso totalmente divorciado da realidade. A outra virtude da criminologia crítica é que ela nos descalçou de vários sapatos sujos. Sigamos, então, como a Professora Érica fez ao defender a sua tese, sigamos descalços de todos os sapatos sujos!

Diego Lemos
Cristhovão Gonçalves

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A titularidade libertária!



O grupo Asa Branca de Criminologia hoje comemora mais uma vitória da criminologia crítica. Hoje, temos a notícia de que a Professora Vera Regina Pereira de Andrade passa a ser Professora Titular da Universidade Federal de Santa Catarina -UFSC. Hoje demos mais um passo para o rompimento dos muros visíveis e invisíveis das Universidades Públicas brasileiras repletas de desafios que envolvem a integração de teorias radicais como o abolicionismo penal e a atuação de movimentos sociais.



Felizes estamos aqui, no nordeste, por essa vitória e por tudo que representa a professora Vera no pensamento crítico, no espaço acadêmico nacional. 



Foi ela que inspirou nossas primeiras leituras, com ela demos os primeiros passos da criminologia, e, é com sua força, vitalidade e sensibilidade que continuamos trilhando o árduo caminho da crítica criminológica.



Professora Vera, estamos todas juntas*, no desafio permanente da luta contra os punitivismos, machismos... E tantos outros "ismos" que promovem o genocídio diário na nossa sociedade brasileira. 



A sua luta, simbolizada na “vigilância sobre o (des)respeito aos direitos humanos no marco do funcionamento efetivo (deslegitimado) do sistema penal” (ANDRADE, 2012, p. 99), é a nossa luta é, nesse momento, rogamos que seja eternizada no coração daqueles que partilham o ideal libertário, e mais, que ela seja impregnada de sangue e suor, flores e afeto, nas paredes frias, burocratizadas e indiferentes, do sistema de justiça criminal.


Nesse momento de festa, temos que parabenizar a UFSC por ter uma professora Titular da dimensão de Vera Regina e agradecer a nossa eterna guru por ela ser, simplesmente sendo quem é, nos estimular a alçar o vôo da Asa Branca nesse solo tão árido que é o espaço acadêmico.

Parabéns Professora Vera!!!!!


* No feminino, mesmo, com o carinho de todos e todas, porque neste grupo, somos maioria!