quinta-feira, 7 de março de 2013

Reflexões para Crônica Esportiva: uma outra visão

Por: Pedro César Josephi* Em face dos recentes casos envolvendo confusões nas praças esportivas, escrevo para trazer algumas reflexões que eu não vi ninguém levantar sobre a Violência nos Estádios e as Torcidas Organizadas. Antes de mais nada, imperioso ressaltar que sou militante dos Direitos Humanos e dos Movimentos Sociais, e quem assim o é, não é a favor da violência gratuita e escandalosa que assusta as famílias brasileiras em dias de jogos de futebol, no entanto, defendo intransigivelmente os valores constitucionais e republicanos emanados na Constituição Federal de 1988, após estes espantarem um período sombrio de mandos, desmandos, censura, proibições políticas de ir e vir, violações às liberdades de expressão e de manifestação do pensamento. As garantias constitucionais são conquistas para todos e todas. Neste sentido, sou um árduo defensor e difusor da cultura de paz na sociedade. No entanto, como profissional do Direito, tenho a obrigação de trazer algumas reflexões acerca das discussões que tenho visto na crônica pernambucana. Inicialmente, vale lembrar que a Violência nos dias de eventos esportivos não está dissociada do restante da sociedade, e do restante de violência que vemos todos os dias (todos os dias vemos roubos e furtos nos ônibus, todos os dias vemos homicídios, lesões corporais). A violência deve ser entendida como algo sistêmico, e por vezes passa a ser estigmatizada a pertencer a uma determinada classe social (a pobreza) em face de muitos não terem oportunidade/perspectiva e a vida passar a ser algo banal, fruto das desigualdades econômica, política, social e cultural. Entendam, não defendo a violência, nem a legitimo, apenas estou a constatar um fato social. Pois bem, a violência nos eventos esportivos só poderá ser dirimida, atenuada, se houver um trabalho estruturante de enfrentamento a violência em toda sociedade, e não apenas no Esporte (porque queremos fazer bonito para os gringos e a FIFA). A origem das brigas e confusões das torcidas organizadas remontam aos antigos bailes funks que aconteciam no Grande Recife, e a divisão, por vezes, e geoconformação das “facções” “comandos” se dá por conta das rixas do tráfico de drogas e armas, controles das comunidades e bairros suburbanos, controle e acesso das bocas de tráfico. Neste contexto, os jovens (desde pequenos sem oportunidades e perspectivas) aliciados dentro deste cenário passam a se sentir importantes fazendo parte de algum grupo, de alguma comunidade, passam a colocar na sua vida o sentido errado: combater o inimigo (inimigo não criado por eles, mas pela estrutura de marginalidade =à margem da sociedade que estão submetidos). Daí como as Torcidas Organizadas tendem a ser algo das massas, do povão, da periferia mesmo, elas passam a ser os canais para escoamento daquela violência e pensamentos internalizado de combater o “inimigo”, aliado a não valoração da vida humana, nada está em jogo, se não, somente, acabar e destruir com o “inimigo”. Onde quero chegar? A medida das autoridades de acabarem com as torcidas organizadas, além desta decisão judicial está eivada de vícios aberrantes (tais como, ausência do contraditório e da ampla defesa, como se está demandando associações – natureza jurídica das Torcidas – e estas não são citadas ou chamadas para responder judicialmente? Flagrante violação das garantias processuais e constitucionais!) está provado sociologicamente que não acabará com a violência nas praças esportivas visto que esta é derivada da violência social. Logo, tal cenário acima descrito encontrará outros meios de enraizamento nas massas. Ao fim, proponho reflexões: 1) Diante deste cenário quando foi que a Federação Pernambucana de Futebol, os Clubes, e as Secretarias de Esportes e de Juventude fizeram seminários, espaços de formação, trabalhos, projetos junto às Torcidas Organizadas no sentido de debater a violência, a estrutura destas torcidas, fazer mapeamento de quem são seus membros, como vivem, o que fazem, faixa etária, renda, escolas em que estudam? Quando foi que as autoridades públicas (e aí excluo a Polícia, visto ser o problema uma questão social, e não apenas de repressão) assumiram seus papeis instituídos e fizeram trabalho preventivo? E explico trabalho preventivo não é antever onde vai acontecer os focos de violência ou encontro das torcidas, mas sim investir em projetos e atividades, junto com as Torcidas, que promovam uma cultura de paz nos estádios e fora deles? 2) Infelizmente, a crônica esportiva não costuma ouvir o outro lado da moeda, as Torcidas Organizadas, nem muito menos especialistas da área que estudam os fatores, causas e consequências da Violência nos eventos esportivos. Temos vários núcleos sociológicos e jurídicos na UFPE e UNICAP que debatem e estudam tais fenômenos, mas a crônica esportiva sempre chama aos debates os mesmos perfis PMPE, MPPE e FPP. Se queremos fazer um debate amplo sobre o problema, e é papel da imprensa isto, devemos ouvir todos os envolvidos. Por que não entrevistar o Promotor de Direitos Humanos do MPPE? Ou da Infância e Juventude? 3) Vejo a imprensa por um lado criar uma comoção em torno da figura do Lucas (internado no HR), vejo protestos sendo marcados, mas esquecem que ele é um membro de Torcida Organizada, mas por outro, defender como vi várias vezes que a PM “desça o cacete” nos “marginais de Torcidas Organizadas”. É um contrassenso grave. Ou assumimos os valores totais de cultura de paz, ou caímos no risco de legitimar a violência em alguns casos, quando nos é conveniente. (Em tempos: lamentável o saudosismo aos tempos do “Coronel Meira”, homem que achava está acima da lei com práticas inquisitórias, ditatoriais e de violência gratuita, homem que responde a inúmeros processos administrativos e judiciais por infringir a lei e as normas de conduta da própria PM!) 4) Como disse acima acabar com as torcidas organizadas (lembrar dos flagrantes vícios jurídicos em tal decisão) é criminalizar, sem individualização da pena, sem individualização do crime, afinal de contas quem comete crimes são pessoas e não instituições/associações, a pobreza e segmentos inteiros da sociedade periférica. Por esta lógica, vamos proibir os moradores do bairro do Ibura de brincar o Galo da Madrugada ou participar dos eventos da cidade por existir uma potencialidade delituosa em uma parte de seus moradores? Sinceramente, isto beira ao nazi-fascismo, e decreta a falência do Estado em assumir seu papel e cuidar das pessoas. Vamos acabar com o carnaval? Vamos acabar com os blocos? Vão acabar com as festas da Classe Média onde o que mais vemos são crianças e adolescentes bebendo e usando drogas e promovendo brigas e confusões? 5) Esta decisão do juizado do Torcedor é esdrúxula, como imputar uma pena ou uma restrição administrativa a uma associação (natureza jurídica das Torcidas Organizadas) sem haver provas materiais no processo, sem haver instrução para julgamento, sem haver a ouvida de todas as partes, sem o exercício do contraditório e ampla defesa? Então, quer dizer que eu que não faço parte de Torcida Organizada se comprar uma camisa alusiva a alguma delas serei impedido de entrar nos estádios, mesmo tendo comprado ingresso e sem existir contra mim qualquer tipo de imputação penal? Meus caros, isto é um absurdo, uma verdadeira aberração. 6) Vejo reiteradamente a crônica repetir que o grande problema é a questão do Ciclo (Polícia prende e justiça condena), em face de termos uma legislação que “acoberta” a violência nos estádios. E me permita discordar visceralmente desta afirmativa, primeiro que o Ciclo deveria ser outro (Estado e FPF promovem políticas públicas e desenvolvem projetos para promover uma cultura de paz), segundo que todos as condutas praticadas por algumas pessoas vestidas com as camisas das Torcidas Organizadas já tem previsão e tipificação penal: vandalismo, roubo, furto, quadrilha, lesão corporal, “arrastão”. Já existe no Código Penal e na legislação esparsa mais de 200 condutas que são consideras crime, logo não é, também, a inexistência de legislação, nem muito menos a “impunidade”, mas a ausência de individualização da pena e dos tipos pelas autoridades públicas criminais. 7) Por que a crônica esportiva não está repercutindo o perigo e o atentado à Constituição Federal que é a possível formação de milícias pelas empresas de ônibus para proteção do “seu” patrimônio? Por fim, ressalto mais uma vez: sou contrário e a minha prática profissional demonstra isto, a legitimação da violência nas praças esportivas, apenas entendo que não são as Torcidas Organizadas a causa da violência nem será o fim delas que promoverá uma cultura de paz nos jogos. Carece de concretude tal medida, basta que as mesmas pessoas se juntem e formem uma outra torcida com outro nome, e estarão aptas a entrar nos estádios. *Estudante de Direito e militante dos movimentos sociais e Direitos Humanos

Nenhum comentário:

Postar um comentário