domingo, 3 de março de 2013

APOLOGIA DA INDIFERENÇA



"Eu sou branco, por isso não luto pelos direitos dos negros, nem contra o racismo.Eu sou hétero, pois isso não luto pelos direitos dos homoafetivos, nem contra a homofobia.Eu sou homem, por isso não luto pelos direitos das mulheres, nem contra o machismo.Eu sou classe média alta, tenho carro próprio, casa própria; por isso não luto contra a desigualdade social, não luto contra a miséria; também não luto pelos direitos dos trabalhadores, pois sou da classe patronal.Eu sou individualista e me preocupo apenas com aquilo que me afeta diretamente.
Não ligo para a política, nem para os movimentos sociais.Quero apenas que os problemas administrativos da minha cidade sejam resolvidos.Eu apenas quero: ruas asfaltadas, sem buracos, sem mendigos, sem pedintes. Tenho horror a eles. Quero que condomínios de luxo sejam construídos para que eu more neles e para que meus amigos morem neles e eu possa visitá-los. Quero segurança. Quero estacionamentos amplos e privados, aliás, perco muito tempo procurando onde estacionar meu carro. Quero frequentar locais fechados e com ar-condicionado. O mundo exterior não me importa. Importo-me apenas comigo e com meus familiares.
Digo que me importo com espaços culturais e artísticos. Mas é mentira, gasto meu dinheiro em festas banais o tempo todo, e ouço músicas banais cujas letras apenas comunicam que nada comunicam. Eu compro os ingressos dessas festas e sou comprado por elas. Tiro fotos de livros e posto no facebook. Tiro foto lendo livros e posto no facebook. Quero que todos pensem que sou culto.
Eu me importo com a "retórica" e com o "ter razão". Não quero construir conhecimento, quero apenas "vencer" os debates. Eu apenas quero ser o possuidor da razão e da verdade. Eu quero ser visto e ouvido. Eu quero despolitizar para que as pessoas não tenham real conhecimento sobre os fatos.
Não me importo se não existem empregos suficientes. Logo me formarei em uma das melhores faculdades do país. Terei uma boa qualificação profissional e conseguirei emprego facilmente.
Entretanto, se minha mulher (ou outra mulher) é agredida por um homem, fico revoltado.Se um homoafetivo é agredido, fico revoltado.Se um negro é vítima de violência, fico revoltado.Se vejo uma pessoa morrendo (sim, "morrendo", no sentido literal) de fome na rua, fico revoltado.Eu critico o governo, o Estado. Os políticos são corruptos. Eu ainda não consegui enxergar que corrupta é minha alma, minha ideologia, minha conduta, corrupto é meu pensamento.
Eu sou corrupto. Eu reproduzo todo e qualquer discurso hegemônico.Eu quero ter espaço para reproduzir o discurso hegemônico.Mais do que QUERER esse espaço, eu exijo, eu o reclamo para mim. Esse é o discurso/pensamento que me interessa.Para mim, contra-hegemonia é alienação.
Sei o que significa a palavra INDIFERENÇA, mas não sei o que significa a palavra ALTERIDADE.
Digo e repito: sou homem, branco, hétero, burguês e não me importo com os problemas do mundo e com os problemas sociais."
Por Guilherme Sidrônio

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