quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Viva a pacacidade!

A justiça penal não decepciona. É mesmo uma tragédia. Fui hoje a uma audiência com o amigo Pedro Brandão. O caso era o de um trabalhador que, participando de uma movimentação de sua categoria, viu um amigo sendo injustamente preso e o abraçou, tentando, em vão, convencer os policiais. Um ato cheio de solidariedade, em minha opinião e na opinião de Pedro. Mas cheio de ilicitude na opinião da justiça penal. Desacato. Foi quase uma audiência como outra qualquer, das muitas que viemos acompanhando nos últimos anos em Recife e adjacências, as quais veiculam acusações pelos mais diversos crimes, conquanto a finalidade mesmo seja a de frear movimentos democráticos de protesto. Desacatos, resistências, desobediências, danos, formações de quadrilha e, hoje, o inusitado (poucos professores de direito penal lembrariam) “atentado contra a segurança de outro meio de transporte”, do artigo 262 do Código Penal. O arsenal é infinito quando o objetivo é realizar a tal relação de adequação – como dizemos nós dogmáticos - entre a conduta de cidadãos que livremente se organizam e se manifestam e um tipo penal. É a tipicidade! E nem mencionemos essa coisa de tipicidade material ou de antinormatividade ou ainda de tipicidade conglobante. Todos esses esforços não resistem a meio minuto de tribunal. Mas disse que seria uma audiência como outra qualquer, não fosse a maneira como o representante do Ministério Público a conduziu. Presente (!), participativo, gente boa, como se diz. Em determinado momento, quando defendíamos a atipicidade da conduta do “autor do fato” de abraçar o amigo, disse o tal membro do MP: “Eu faria o mesmo, afinal é um ato de coragem”. Não obstante, disse em seguida: “Vejo aqui um ato típico, nenhuma chance de arquivar”. Ora, para que dizer, então, que o tal abraço seria algo que ele mesmo faria? Isso não é verdade; se fosse, ele arquivaria o caso. A verdade é que nós juristas não cansamos de dizer que fazemos as coisas porque a lei manda. É a velha violência simbólica de que Bourdieu tanto falou, a nossa estratégia favorita para encobrir com o manto de neutralidade as nossas decisões que partem da mais íntima esfera de vontade. Os juristas dão como “fundadas a priori, dedutivamente, uma coisa é fundada a posteriori, empiricamente” . “Eu arquivaria se não fosse o artigo 262 do Código Penal”, essa entidade de existência própria (an?), presente naquela audiência, clamando por autoridade! E assim foi mais uma maldita transação penal. Bom para as estatísticas (um processo a menos) e um meio mais do que eficaz de controlar e reprimir o protesto, afinal, ficamos totalmente inermes quando depois de tudo nos disse o membro gente boa do MP: “mas vocês agora vão aprender, né, esse negócio de greve...(risos – dele)”.

3 comentários:

  1. TRANSAÇÃO PENAL - insituto despenalizador, segundo Ada Pelegrini Grinover e alguns outros autores (a maioria deles). Ora essa, faça-me o favor! O mesmo instrumento que na Lei dos Juizados Especiais Criminais pretende-se alternativa ao cárcere é também alternativa do sistema de justiça penal para agir.

    Uma conquista do garantismo reformador que diminuiu o tamanho do sistema penal-cárcere ou um instituto que ampliou o controle penal?

    As estatísticas são muito claras ao demonstrar que a mesma lei 9.099/95 que “tirou” alguns da cadeia também trouxe muitos outros pra debaixo do olho da Justiça Penal. O que era para ser reforma minimalista tornou-se, isso sim, instrumento eficientista a serviço do panóptico punitivo. Condutas antes esquecidas, como as contravenções, ressurgiram das cinzas como fênix infernais e ganharam roupagem dogmática penal eficiente. O que deveria diminuir o tamanho do Estado Penal, último bastião da nossa República, ampliou o domínio do Leviatã punitivo, agora pós-moderno, atuante sob a perspectiva contemporânea que passou desde a modernidade da punição para a vigilância, como diz Foucault. Eis aí o Primeiro soldado e não o último bastião do Direito. O Estado Penal está em todo lugar, é esse, o mais ineficaz deles é verdade, mais o primeiro instrumento de controle social. Distribui seus “presentes” para um “público” “selecionado”.

    Sim... é sim...a transação penal é um horizonte incontestável de expansão do sistema penal. É um instrumento a serviço da ampliação desse sistema, um exemplo da cultura do controle e do vigilantismo!

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  2. Infelizmente eu concordo com você, Diego. O que acabamos vendo juizado é uma quantidade enorme de delitos que jamais passariam nos olhos da justiça ineficiente e que, agora, ganham espaço. Acho mesmo que vale a pena a gente pensar uma pesquisa dessas e conseguir, junto a central dos juizados, alguns dados elucidativos desse aumento do controle.

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  3. CURTI! rsrsrs Título da Pesquisa: "Transação Penal e os horizontes de projeção do controle punitivo - uma análise criminológica crítica dos dados do Juízado Especial Criminal de Rceife" rsrs

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